A Polícia Federal mira a possível corrupção de agentes cartorários e a prática de acesso tardio ao CPF brasileiro por russos suspeitos de serem espiões no país.
Como mostrou a Folha, a PF passou a suspeitar do uso sistemático do Brasil pela Rússia para formação de espiões após virem a público três casos de supostos espiões portando identidade brasileira.
Serguei Tcherkasov, detido em abril na Holanda e enviado ao Brasil, Mikhail Mikushin, preso em outubro na Noruega, e o homem de sobrenome Chmirev identificado pela Grécia usavam a documentação de Viktor Muller Ferreira, José Assis Giammaria e Gerhard Daniel Campos Wittich, respectivamente.
Documentos dos casos mostram, em um pente-fino estruturado após as descobertas, como ao menos uma agente cartorária entrou na mira da PF e indicam a prática de acessar tardiamente o CPF pelos russos como uma pista de irregularidades. A polícia identificou a agente cartorária depois de ela visitar Tcherkasov na superintendência do órgão em São Paulo.
A mulher, identificada como Rafaella Aguiar, disse em agosto de 2022 ser amiga do russo. Ela teria um relacionamento com ele, e a suspeita é do uso da relação para confeccionar registros brasileiros.
Informações obtidas nos equipamentos eletrônicos encontrados com o russo no momento da prisão confirmam a suspeita das fraudes documentais e o pagamento com um colar pela ajuda da funcionária, à época escrevente em um tabelionato em São Paulo.
O inquérito sobre corrupção devido a essa suspeita está em andamento na PF —o encerramento da apuração, algo que não aconteceu, foi a condição imposta pelo ministro Edson Fachin, do Supremo Tribuna Federal (STF), para autorizar a extradição de Tcherkasov solicitada por Moscou.
A PF também aponta a necessidade de verificar que nível de conhecimento a agente cartorária tinha ao auxiliar o russo e se outras pessoas a contataram a mando ou indicação do suposto espião. A Folha procurou Aguiar, mas não obteve retorno.
A facilidade em conseguir o registro de identidade no Brasil e a boa receptividade do passaporte brasileiro no mundo são apontadas como possíveis motivos da escolha da Rússia para formar agentes.
No caso do suposto espião identificado pelos gregos, o nome da mãe utilizado por ele é de uma mulher morta em 2002 cuja família nega que ela tenha tido filhos. Ainda assim, documento do 4º Registro Civil de Pessoas Naturais do Rio diz que ela deu à luz o brasileiro Gehard Wittich em 1986, aos 19 anos.
Ainda em 2022, a área de inteligência da PF passou a estruturar um pente-fino para atuar de maneira preventiva em relação ao uso de documentos nacionais por espiões, não só da Rússia. Com base no que se sabe do modus operandi russo, alguns aspectos foram elencados para tentar mapear outros casos.
O primeiro deles é o uso dos chamados documentos tardios, como o CPF. A suspeita veio com o caso de José Giammaria, preso na Noruega em outubro passado e identificado como o russo Mikhail Mikushin.
Com um CPF tirado aos 22 anos de idade, ele obteve o passaporte brasileiro utilizado para supostas missões em outros países. Antes de ser preso, passou por universidades no Canadá, onde teria estudado temas relacionados à segurança no Ártico.
Outro caminho é o cruzamento das fotos usadas para a emissão de passaporte com as de documentos utilizados para entrar no país. Assim, um cidadão estrangeiro que produzir papéis falsos poderia ser identificado pela comparação das imagens do original com o falsificado no sistema da PF.
Além de tentar coibir o uso do Brasil para formação de espiões e desmobilizar países que recorrem a esses métodos, o levantamento serve para apurações sobre como se dá o financiamento desses espiões.
No caso do russo hoje preso no Brasil, a apuração já aponta para integrantes do governo russo como origem do dinheiro utilizado para manter os espiões no Brasil enquanto produzem suas identidade falsas.
Assim como levaram à identificação da suposta agente cartorária, as imagens dos visitantes de Tcherkasov na carceragem da PF também apontam para ao menos dois integrantes do governo russo.
Os investigadores conseguiram os registros da agência bancária na qual depósitos em dinheiro eram efetuados para o suposto espião e os compararam às imagens de identificação para as visitas.
Elas mostram um integrante do corpo consular russo chamado Aleksei Matveev e outro homem que a PF suspeita ser Ivan Tchetverikov, descrito como um caucasiano que se apresenta como cônsul no Rio.
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