Para Gala Díaz Langou, 38, diretora-executiva do Cippec (Centro de Políticas Públicas para a Equidade e o Crescimento) na Argentina, há uma sensação no país de que não se pode fazer nada em um contexto de tanta incerteza.
"Mas é nesses momentos que precisamos projetar o futuro e tomar ações. Se não, acabamos por validar essa ideia de que há uma profecia autorrealizável. Não se pode fazer nada, não fazemos nada e nada acontece", afirma.
Como avalia o aumento da pobreza, sobretudo entre os mais jovens, e seu impacto sobre o futuro da economia argentina? Há problemas estruturais de várias dimensões: social, econômica e institucional. No social, a crise é anterior à pandemia, quando os níveis de pobreza e indigência começaram a aumentar em resposta a uma crise estrutural na economia.
A Argentina não cresce de maneira sustentável há mais de dez anos, e a pandemia só agravou o quadro, ampliando as desigualdades sociais. Os mais afetados nesse processo foram os lares que têm filhos pequenos e adolescentes.
Na classe alta, há concentração de lares unipessoais, com pessoas mais velhas ou de casais sem filhos.
Entre os 20% mais pobres, há grande quantidade de mães solteiras e de famílias desmembradas. Para elas, é uma dificuldade enorme conciliar a vida produtiva, no mercado de trabalho, com a familiar, sobretudo por causa das crianças.
Isso interfere não apenas na qualidade de vida dessas famílias, mas no potencial de crescimento econômico da Argentina em nível agregado.
Temos mais de 60% dos jovens vivendo em situação de pobreza e apenas 2 em cada 10 deles terminam a educação secundária no tempo normal e com os conhecimentos básicos em provas do Pisa [Programa Internacional de Avaliação de Estudantes]. Isso tem implicações graves sobre o nível de produtividade que temos hoje e que teremos no futuro.
Isso afeta as possibilidades de a Argentina estabelecer uma estratégia de desenvolvimento, de conquistar a estabilidade macroeconômica e de participar da economia global.
Os principais setores estratégicos para a Argentina, como agronegócio, energia, economia do conhecimento e mineração, são também estratégicos para o mundo.
Mas não conseguimos alavancar as exportações como deveríamos, a fim de melhorar nosso desempenho econômico e estabilizar a balança comercial e o déficit fiscal.
Quase a maioria das crianças argentinas recebe algum tipo de subsídio do Estado. Isso é sustentável do ponto de vista orçamentário, já que o país convive há décadas com déficits fiscais? Cerca de 95% das crianças e adolescentes na Argentina recebem algum tipo de benefício, direta ou indiretamente, como nos casos da isenção de impostos por filho. Outros 5%, que são justamente as famílias mais vulneráveis, ainda estão de fora de qualquer tipo de programa. Falta chegar até eles.
Há, porém, famílias mais ricas que acabam tendo grandes isenções de impostos, e faz-se necessário, usando os mesmos recursos atuais, melhorar sua distribuição de forma mais progressiva.
No total, todos esses programas sociais representam entre 1% e 1,5% do PIB, dependendo do ano. É um volume adequado, sobretudo se o compararmos com os de outros países. Mas é preciso levar em conta que o sistema previdenciário na Argentina custa 12 pontos do PIB, sendo que, desses 12 pontos, 7 são para aposentadorias de fora do sistema geral.
São o que chamamos de aposentadorias privilegiadas, em regimes especiais e de exceção. Há muitas aposentadorias que ultrapassam em 20 vezes o pagamento mínimo por aposentado. São 3,7 milhões de benefícios deste tipo.
Entre eles, há de militares e medalhistas olímpicos a cantores líricos do teatro Colón e trabalhadores de minas, entre outros em regimes que possibilitam aposentadorias aos 45 anos de idade.
Não há muito critério para a concessão. No final, gasta-se quase três vezes do equivalente ao déficit fiscal argentino com essas aposentadorias.
Os subsídios à energia, na luz e no gás, se proliferaram na Argentina nos últimos anos para amortecer as crises econômicas. Como equacionar essas transferências com um programa de estabilização? O problema é que esses subsídios chegam a todas as pessoas que estão conectadas às redes [de gás e energia], sem diferenciação ou critério de progressividade. Foi planejado algo no ano passado para favorecer só mais os vulneráveis, mas não foi implementado.
No ano passado, os subsídios para a energia representaram 82% do déficit fiscal. Em 2022, o Estado pagou 79% do custo da luz e 71% do gás para todos os que estão conectados à rede.
A maioria está nas camadas mais ricas. Significa que estamos financiando a climatização de piscinas em bairros ricos. Muitos dos mais vulneráveis têm dificuldade de se conectar às redes e seguem comprando botijões, que têm menos subsídios que o gás na rede.
Estamos trabalhando em proposta concreta que inclua a implementação de uma tarifa social e o pagamento do custo real [da energia] para quem pode pagar, além de um fundo compensador, pois há províncias que pagam muito mais pela energia do que outras. Tudo considerado, precisaríamos de menos subsídios.
Com todos os subsídios à energia e às famílias, há argentinos passando fome? Sim. Essa questão afeta principalmente as famílias mais vulneráveis e a literatura é contundente a respeito de como isso afeta não apenas o presente dessas pessoas, mas a construção de capital humano no futuro.
Na Argentina, estamos fazendo o contrário. Concentramos as piores condições nas famílias com crianças, e a fome é um exemplo concreto disso.
Há um levantamento recente que mapeia melhor as dimensões da pobreza do que os do Indec [o IBGE argentino], que leva em conta apenas os rendimentos das pessoas. Adicionando outras variáveis, foi constatado que 66% das crianças argentinas sofrem algum tipo de privação.
A Argentina parece precisar de medidas duras, como escalonar subsídios e mexer em privilégios de aposentados e no setor público. É possível? Certamente estamos em uma situação que demanda mudanças e a implementação de medidas urgentes, em várias dimensões. Isso tudo em um contexto de altíssima incerteza e desconfiança. Isso tem nos levado à imobilidade, com ninguém querendo tomar decisões e enfrentar os custos que serão assumidos, sem que os benefícios apareçam no curto prazo.
É um problema que enfrentamos como país: há uma sensação de que não se pode fazer nada em um contexto de tanta incerteza.
Mas é nesses momentos que precisamos projetar o futuro e tomar ações. Se não, acabamos por validar essa ideia de que há uma profecia autorrealizável. Não se pode fazer nada, não fazemos nada e nada acontece.
RAIO-X | Gala Días Langou, 38
É diretora-executiva do Cippec (Centro de Políticas Públicas para a Equidade e o Crescimento). Tem mestrado em Políticas Públicas pela Universidade de Georgetown (EUA) e formação em Estudos Internacionais pela Universidade de Torcuato Di Tella (Argentina).
Nenhum comentário:
Postar um comentário