sábado, 1 de abril de 2023

Luís Francisco Carvalho Filho - No território da política e mentira, mente menos quem mente melhor, FSP

 

O Supremo parece propenso a revogar ou reescrever dispositivo supostamente inconstitucional do Marco Civil da Internet para responsabilizar as plataformas pelo pensamento tóxico externado por terceiros.

O impacto das redes na vida cotidiana é desmesurado. Milícias digitais devem ser reprimidas em nome da segurança das escolas, da integridade das instituições democráticas e do combate ao discurso de ódio.

Os valores eram outros, mas a controvérsia é antiga. Desde que a imprensa se instala no Brasil, é desafio permanente regular o alcance e a pureza da informação.

Antes da Independência, já se proibia o anonimato e se alertava para o perigo das "doutrinas incendiárias". Em 1830, vigora o regime da responsabilidade sucessiva: respondem pelos abusos escritos, que se espalham como rastilho de pólvora, o impressor, o editor, o autor e o vendedor ou distribuidor da notícia.

Na época, o que se protegia, com prisão ou degredo, eram "as verdades fundamentais da existência de Deus e da imortalidade da alma", os bons costumes, o "sistema monárquico" e a honra do imperador e de sua "augusta esposa".

Em 1923, muda a ordem da responsabilidade sucessiva: autor, editor, impressor e vendedor. Na República, bancas de jornal entrariam para a linha sucessória (responsabilidade por atos de terceiro) no caso de desaparecer o ofensor verdadeiro.

Getúlio Vargas, em 1934, persegue "notícias falsas" capazes de "provocar alarma social". A Constituição de 1946 não admite propaganda de processos violentos para subversão da ordem pública e social nem de preconceito de raça ou de classe.

Além de proibirem publicações de caráter obsceno, as leis de imprensa de 1953 e de 1967 (esta, editada na ditadura militar, sobrevive até 2009, quando o STF percebe sua incompatibilidade com a Constituição de 1988) punem a divulgação de "notícias falsas" ou de "fatos verdadeiros truncados" que causam perturbação da ordem ou desconfiança no sistema bancário.

Em 1969, auge do autoritarismo, a Junta Militar que governa o país estabelece pena de dois a cinco anos de prisão para a publicação de "notícia falsa" ou "tendenciosa", ou de "fato verdadeiro truncado ou deturpado", de modo a indispor "o povo com as autoridades".

O ambiente atual é propício à tentação autoritária: a desinformação na pandemia, o ataque às urnas eletrônicas, a reputação do Supremo em xeque, seus ministros ameaçados e esculachados nas redes e nos restaurantes, os palácios destruídos. O império incontrolável das fake news causa indignação de todos, ainda que poucos sejam capazes de explicar o significado preciso de fake news.

Se, para o repugnante ex-presidente Jair Bolsonaro, o chamado Foro de São Paulo, organização que reúne o PT e outros partidos de esquerda da América Latina, é financiado pelo tráfico de drogas, para o presidente Lula a Lava Jato é fruto do conluio entre Ministério Público e Departamento de Estado dos EUA para destruir as empreiteiras do Brasil.

Redes sociais viabilizam a mobilização de golpistas, racistas e assassinos e a difusão infinita de mentiras e de notícias falsas, em meio ao vendaval saudável das notícias verdadeiras e da crítica política.

Algo precisa ser feito, mas não parece fácil arquitetar a responsabilização por conteúdo gerado por terceiros sem corroer alicerces do "Estado Democrático". No território da política e da mentira, mente menos quem mente melhor.


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