"God, Human, Animal, Machine", de Meghan O’Gieblyn, foi uma grata surpresa. Eu esperava ler mais um livro sobre tecnologia, mas encontrei um texto que utiliza os avanços tecnológicos como pretexto para ótimas reflexões sobre filosofia, epistemologia, teologia e literatura. O’Gieblyn ainda adiciona a essa mistura um forte tom memorialista.
Uma das ideias centrais do livro é que a inteligência artificial e as tecnologias da informação absorveram muitas das questões que sempre animaram filósofos e teólogos, como a relação entre mente e corpo, o livre-arbítrio e a possibilidade da imortalidade. Só que elas agora são apresentadas, não tanto como discussões metafísicas, mas como problemas de engenharia.
E há algo de paradoxal aí. Essa abordagem mais politécnica tem muito a ver com o desencantamento do mundo que experimentamos desde Descartes. Só que as novas tecnologias, por uma série de efeitos, ameaçam reencantar o mundo. De fato, não há nada mais "encantado" do que um cenário em que, graças à internet das coisas, interagimos com geladeiras e maçanetas "inteligentes".
Um dos temas tratados pela autora é o transumanismo, de figuras como Ray Kurzweil e Nick Bostrom, que nos promete a vida eterna, seja por uma ciência médica que vencerá a morte, seja pelo download de nossas consciências em computadores. O’Gieblyn mostra como essa discussão não passa de uma versão tecno das velhas religiões. E aí entra o tom memorialista. Esse é um assunto que ela viveu na pele. A autora cresceu numa família fundamentalista e cursou uma universidade bíblica. Está perfeitamente familiarizada com debates teológicos. Mas não se preocupem, ela superou isso tudo e hoje é uma intelectual ateia padrão.
O texto de O’Gieblyn é deliciosamente erudito e surpreendentemente fácil de ler. Há uma engenhosa reconstrução do memorável diálogo que Ivan e Aliocha travam nos "Irmãos Karamázov", de Dostoiévski.
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