"Para os meus colegas e professores, não há a possibilidade de alguém ser crente e de esquerda. Ou você é bolsonarista ou é crente falsa!"
Esse foi o desabafo de uma interlocutora ao ler a minha última coluna sobre a dificuldade de a esquerda dialogar com mulheres evangélicas.
Essa interlocutora é uma jovem negra, primeira de sua família a entrar na universidade e concluiu recentemente a graduação na Unicamp, no campo das ciências humanas. Para escrever sobre casos como esse, não mencionarei os nomes e o curso de cada interlocutor para não expô-los.
A jovem explica sua posição: "Quando eu falo para as pessoas na universidade que eu sou crente, elas esperam, principalmente os professores, que eu abandone o meu estado de ‘barbárie’ para me ‘civilizar’ saindo da religião. E, como eu não larguei a fé, deixei de ser bem-vinda ali. Não é uma atitude explícita, mas a gente percebe…".
Como ela frequenta uma igreja neopentecostal, associada a pastores aproveitadores e ao desejo de prosperidade, não se sente respeitada nem na universidade nem por outros crentes. "Para nenhum deles existe a possibilidade de coexistência nesses espaços," diz. Mas ela admite que encontrou mais possibilidades para se posicionar na universidade. "Na minha igreja é impossível", afirma.
Quando, em 2018, meu segundo interlocutor, ex-estudante da USP, postou que jamais votaria em Bolsonaro, um amigo de sua igreja respondeu: "Foi infectado pela faculdade, amigo?".
E, na universidade, a "zoeira" comum entre estudantes às vezes cruzava a linha da intolerância religiosa. "Quando contei a um colega que acreditava no nascimento virginal de Jesus, ele respondeu que, na verdade, isso é uma historinha para esconder um suposto adultério de Maria."
"Confesso," ele diz, "que a postura dos irmãos da igreja sempre doeu mais. Eu via as chacotas na universidade como ignorância, mas esperava que o vínculo com um irmão em Cristo fosse algo maior do que crenças na política e que eu nunca seria tirado do convívio, da comunhão".
Meu terceiro interlocutor, formado pela Unila, também atravessou a graduação rejeitado e criticado pelos dois lados. "Fui me sentindo deslocado na igreja e na universidade. Uns e outros invalidavam a minha fé. Parece que passei a graduação jogando Twister, um pé na igreja, uma mão na universidade e o corpo todo torcido."
A disputa entre universidades públicas e igrejas, além de mau exemplo à sociedade, parece estar produzindo vítimas. Os dois lados se apresentam como acolhedores dos vulneráveis e das diferenças.
Mas há um modo de chamar essas práticas, que vitimam jovens que vivem entre esses dois mundos, com outro termo que não assédio moral?
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