terça-feira, 11 de abril de 2023

Com cracolândia na porta, shopping das motos no centro de SP vê público sumir, FSP

 

SÃO PAULO

Templo do motociclismo instalado no maior polo do planeta dedicado ao comércio de motocicletas e acessórios. É desta forma que lojistas descrevem o Shopping Moto e Aventura e os quarteirões no entorno, em Campos Elíseos, região central da cidade de São Paulo. Apesar dos atrativos para aficionados pela vida sobre duas rodas, o lugar está cada vez mais vazio.

O público começou a sumir no final do ano passado, quando a cracolândia se instalou na porta do shopping. As vendas despencaram 70%, relatam comerciantes. Lojas encerraram atividades e, agora, o próprio centro de compras pode fechar suas portas.

Motos no corredor do shopping. De dentro é possível ver a concentração de usuários de crack
Uma das entradas do Shopping Moto e Aventura, na alameda Barão de Limeira, fica em frente à rua dos Gusmões, onde se instalou a cracolândia, no centro de SP - Gabriel Cabral/Folhapress

Pelos corredores, vitrines vazias ou cobertas com papelão parecem ser maioria nos dois pisos superiores. No térreo, modelos raros de Harley-Davidson e de outras marcas icônicas, alguns avaliados em cerca de R$ 500 mil, seguem expostos para quase ninguém ver. Tudo muito diferente do tempo em que o lugar, com 65 lojas e 300 funcionários, atraía visitantes.

Hoje o shopping funciona com cerca de 40% das suas lojas fechadas —25 espaços para locação estão vagos. Esse processo de esvaziamento vem ocorrendo desde a crise econômica de 2015 a 2018, passando pela pandemia de Covid, mas atinge o ponto mais grave com a chegada da cracolândia ao local, segundo os comerciantes e a administração.

Proprietário do imóvel e idealizador do Moto e Aventura, o empresário José Renato Bonventi, 56, diz que o estabelecimento de 22 anos passou a dar prejuízo.

"Estou num dilema porque o custo do prédio fechado também é alto, IPTU, mais a depreciação do imóvel, que ninguém vai querer comprar", diz Bonventi. "Lógico que eu cogito fechar o shopping, mas seria uma pena jogar fora um negócio vitorioso."

"Está faltando alguém falar se a cracolândia vai ficar aqui para sempre e aí, pronto, fechamos, vamos embora", afirma o empresário.

Alexis Vargas, secretário executivo de projetos estratégicos da Prefeitura de São Paulo, afirma que a resposta para Bonventi é "não". "Eu respondo isso agora: a cracolândia não vai ficar lá para sempre", disse Vargas à Folha, na última (6).

Responsável por coordenar as ações da gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) na cracolândia, Vargas explica que desde o último dia 3 a prefeitura antecipou da noite para a tarde a limpeza das ruas dos Gusmões, em frente ao shopping, e Conselheiro Nébias, locais onde o consumo de crack passou a ser mais frequente nos últimos meses.

Além disso, diz o secretário, houve ampliação da presença da GCM (Guarda Civil Metropolitana) no local. As ações fazem parte de uma nova estratégia para dispersar os usuários e dificultar o comércio de drogas.

No início da tarde de quarta (5), a reportagem acompanhou a limpeza na rua dos Gusmões. Uma hora após a saída das equipes da prefeitura, a via estava completamente tomada por dependentes químicos novamente.

Alguns poucos frequentadores do shopping hesitavam ao tentar sair pela porta que dá de frente para a concentração de usuários. Um funcionário da segurança orientava a saída pelo lado oposto, na avenida São João.

O fluxo, como é chamada a aglomeração de usuários de drogas da cracolândia, por décadas esteve fixado em um terreno próximo à estação Júlio Prestes, apelidado de praça do Cachimbo, a um quilômetro da porta do shopping. Mas passou a mudar de endereço nos últimos meses, em meio a ações que envolvem operações policiais, limpeza constante de vias e reurbanização de áreas degradadas. A antiga praça do Cachimbo, com tendas que abrigavam traficantes, agora é um conjunto de quadras esportivas cercado por prédios residenciais.

A peregrinação de usuários levou a cracolândia para locais onde, até então, só se ouvia falar do problema. É o que conta Raphael Sarris, 31, vendedor de uma loja de roupas para motociclistas.

"Em janeiro eu percebi que os clientes começaram a perguntar se aquilo [aglomeração] aqui em frente era a cracolândia", disse Sarris. "Logo pensei que eles [clientes] não voltariam tão cedo, e não voltaram mesmo."

É na praça de alimentação que o esvaziamento da região fica evidente. Só dois dos oito restaurantes que chegaram a funcionar no local antes do início da pandemia permanecem no local.

"Nós tomamos um golpe com a pandemia e, agora, tomamos outro, ainda mais forte", afirma Mario Rossi, 44, dono de um restaurante que há oito anos funciona no local.

Não é só a perda de clientes que preocupa quem tem comércio no shopping e arredores. Alguns desistiram até mesmo de trabalhar no local após terem sido vítimas de abordagens agressivas, furtos e roubos.

"A minha funcionária pediu demissão porque estava com medo", conta Patrícia Monteiro, 48, dona de uma loja de ferramentas. "Já fui roubada, meu filho já foi assaltado, a gente fica sem saber o que fazer."

Há 17 anos trabalhando na região, a representante comercial Carolina Rodrigues, 37, afirma que suas vendas para comerciantes da área caíram 70%. "Vendo para as lojas, mas não estão repondo seus estoques."

Além de perder vendas, Rodrigues diz que perdeu a tranquilidade de andar sozinha na rua. "Agora eu espero o colega da loja em frente para ir para o metrô", conta. "Se você está sozinha e não dá dinheiro quando te pedem, você é xingada e ameaçada."

De acordo com o secretário executivo de projetos estratégicos da prefeitura, o novo modelo de operação na região já produz efeitos.

"A gente teve uma redução de 33% no número de usuários, no período da tarde, e de 75%, pela manhã", afirma Vargas. "Não estou dizendo que saíram do bairro. Saíram da concentração. Concentrações menores são mais fáceis para fazer a assistência. Cada vez que reduz a concentração, a gente tem maior sucesso nas buscas por acolhimento", diz.

A SSP (Secretaria da Segurança Pública) do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos), por sua vez, afirma que "a situação apontada pela reportagem é de extrema preocupação da atual gestão".

Em nota, a pasta afirma que o vice-governador, Felicio Ramuth, e o delegado da 1ª Seccional, Jair Ortiz, receberam os representantes da Associação das Ruas das Motos, ouviram suas demandas e os informaram sobre ações em curso para tornar o centro mais seguro. A secretaria afirma que trabalha para asfixiar financeiramente o tráfico e prender autores, com patrulhamento da Polícia Militar e investigação da Polícia Civil.

No primeiro bimestre deste ano, ainda de acordo com a SSP, 1.157 suspeitos foram presos na região central da capital, o que representa um aumento de 53% na comparação com o mesmo período do ano passado.

Governo do estado e prefeitura afirmam também que está em curso um processo para instalação de câmeras de monitoramento no centro da cidade.

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