Silvia Capanema
O movimento social começou no dia 18 de janeiro. Desde então, foram mais de oito grandes jornadas de passeatas e greves em toda a França, reunindo até 3 milhões de pessoas num dia. Sair pelas ruas e andar entre Invalides e Place d’Italie, ou entre a Bastilha e a Place de la République, se tornou uma atividade semanal para muitos trabalhadores.
O que há de novo no front é também o fato de que há uma frente de sindicatos unitária. Todos condenam a "reforma" de Emmanuel Macron, apresentada pela primeira-ministra, Élisabeth Borne. Em suma, o texto impõe o aumento da idade mínima para a aposentadoria a 64 anos, com 43 anos de contribuições.
A lei foi aprovada no Senado, mas Macron, reeleito em 2022, não dispõe de maioria absoluta na Câmara dos deputados. Muitos parlamentares não querem votar uma lei desaprovada por quase 70% da população ("Le Journal du Dimanche", 04/3/23).
A batalha parece também perdida na opinião pública. A reforma é rejeitada pela totalidade dos intelectuais do país e por uma boa parte dos jornalistas. Eles veem nela uma manobra para abrir o caminho para os fundos de pensão. O argumento do "rombo" nas caixas da Previdência Social não convence.
Uma "reforma" similar já tinha sido proposta no final de 2019, provocando greves nos transportes. Macron teve de interromper os seus planos com a chegada da pandemia de Covid-19, suspendendo o projeto.
A presente proposta se insere em 40 anos de políticas neoliberais na França, um fenômeno que atinge também outros países, com efeitos evidentes para a precarização do mundo do trabalho. Atualmente, ainda que a idade legal seja 62 anos, muita gente só consegue se aposentar depois dos 67, por vezes com remunerações abaixo da linha da pobreza. A contrarreforma do presidente francês só agrava a situação.
Outra grande revelação do momento foram os lixeiros grevistas de Paris. Brahim Sidibe, do sindicato, se expressou num grande canal de televisão chamando a reforma de "assassina". Os lixeiros, em grande parte imigrantes africanos, conseguiram romper a invisibilidade e são —como nunca— vistos como essenciais.
Na tarde de quinta-feira (16), a primeira-ministra —um escudo de Macron— fez uso do tão criticado dispositivo constitucional 49-3, que permite que uma lei passe por decreto sem necessidade de votação.
Em toda a mídia, levanta-se o caráter antidemocrático da decisão, ao mesmo tempo em que multidões se aglomeram na Concorde, em frente à Assembleia Nacional. A polícia evacua a praça "comme d’habitude", com prisões, golpes de matraca e muito gás lacrimogêneo. O resultado é terrível: manifestantes incendeiam o lixo não recolhido pelos grevistas, levando a capital francesa a assumir o título do filme de René Clément: "Paris Está em Chamas?" A intersindical já convocou novas mobilizações. A crise política pode levar a novas eleições ou até mesmo ao fim da Quinta República.
Um novo cartão postal parisiense se desenha. Uma cidade que não é somente luz, mas também fogo, gás e barricadas. Onde há de fato muito mais vida do que nas fotos dos monumentos parados no tempo. Esta é a França do século 21, ou desde 1789.
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