O Banco Central, sob a batuta de Campos Neto, trabalha com uma lógica clara em relação à taxa básica de juros (Selic): só dá para cortar quando a inflação cair. Isso já foi dito e redito, de forma que é impressionante o mercado ter derretido como derreteu depois da decisão do Copom (Comitê de Política Monetária) de quarta-feira (22), de manter a Selic a 13,75%.
Veja só: os profissionais de diferentes bancos, corretoras e casas de análise fazem previsão para tudo. Existem plataformas que juntam todas essas previsões e apontam o chamado "consenso de mercado".
Quando o resultado vem diferente do esperado (acima ou abaixo), é normal que haja reação (boa ou ruim) nos preços dos ativos. A manutenção dos juros era justamente o resultado previsto pelo consenso do mercado. E ainda assim o Ibovespa, nosso principal indicador da Bolsa, mergulhou abaixo dos 100 mil pontos.
Não foram poucos os profissionais do mercado financeiro que creditaram o desabamento à manutenção dos juros pelo BC, indo contra a lógica do mercado.
É preciso levar em conta, como sempre, que o Brasil não é uma ilha, principalmente para os grandes investidores globais. O aumento das taxa de juros nos Estados Unidos atrai, novamente, dinheiro para a terra do Tio Sam. E a quebradeira dos bancos lá fora também dá uma forcinha para que os fundos internacionais diminuam suas exposições a ativos de risco (como a Bolsa brasileira).
Sem dados mostrando a queda da inflação, o que motivaria uma mudança no entendimento e nas atitudes do BC? Se ele mudar de ideia ao sabor da opinião pública, estará fazendo um mau trabalho (ainda que acerte).
Isso significa que manter a Selic a 13,75% é inquestionável? De forma nenhuma. Vivemos uma inflação causada pela redução da oferta, então reprimir a demanda —e é isso que faz uma taxa de juros nessa altura— não necessariamente vai ajudar. Mas já era assim quando começou a alta, e as premissas do BC continuam as mesmas, tal qual a meta de inflação.
Culpar o Copom pelo derretimento do mercado de agora não faz sentido. Ou isso deveria ter sido feito no começo de 2021, quando começou a escalada, com a mesma justificativa usada na última manutenção.
O governo Lula, seja através do presidente, seja por meio de seus ministros, tem bombardeado as decisões do BC.
Até a rede Americanas, em meio à bagunça que causou na economia nacional com seu vergonhoso rombo bilionário, culpou os juros pelo mau cenário que enfrenta. "A indústria subiu fortemente os preços, como reflexo da pressão inflacionária e da taxa de juros elevada, e as famílias brasileiras, endividadas e com poder de compra reduzido, deixaram de comprar itens mais caros", diz em seu plano de recuperação judicial.
Dizer que os juros quebraram a Americanas ou que haverá um arcabouço fiscal que "agradará a todos" não coloca números na mesa do Copom. Só com eles em mãos a turma de Campos Neto vai se mexer.
No comunicado publicado na quarta, o Copom dá a receita, listando o que pode levar os juros a cair antes:
i) uma queda adicional dos preços das commodities internacionais em moeda local;
ii) uma desaceleração da atividade econômica global mais acentuada do que a projetada, em particular em razão de condições adversas no sistema financeiro global; e
iii) uma desaceleração na concessão doméstica de crédito maior do que seria compatível com o atual estágio do ciclo de política monetária.
E trago aqui três más notícias, mas que podem ser um bom argumento para a próxima reunião do Copom:
1) a agência de classificação de risco S&P Global Ratings publicou um relatório afirmando que nos aproximamos de uma onda de calotes no Brasil e em outros países da América Latina. Com os juros altos, as empresas terão dificuldade de rolar suas dívidas, e o calote torna-se inevitável;
2) uma crise bancária como a que começa a surtir efeito nos EUA e na Europa pode ter força para derrubar a atividade econômica global;
3) o Bank of America diz já ter identificado uma bolha nos títulos de crédito de empresas de tecnologia.
Enquanto esses pontos não ficarem visíveis nas projeções do BC, não adianta reclamar dos juros. A lógica estará mantida.
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