A instituição dos "cotados ao STF" foi inventada a partir de fofocas e intrigas dos pretendentes a cadeira no tribunal. Palpites impressionistas de jornalistas forjam campeonato imaginário, estimulado pela rica temporada de coquetéis, cerimônias de posse e lançamentos de livros em Brasília.
Nesse processo, o jornalismo não tem nos contado quais as posições jurídicas dos candidatos autopromovidos. Exclui da cena juristas que trariam ao STF mais respeito, competência e diversidade. Não pergunta o essencial. Relata o supérfluo. Torna naturais indicações questionáveis e corre atrás de declarações de personalidades do mundo do direito que as legitimem.
Tenta criar profecia que se autorrealize. Ou não. Importa mais narrar o teatro. Vira coadjuvante da farsa.
Outro artefato exemplar fabricado pelo jornalismo judicial voltou à tona dias atrás: a instituição anônima do "dizem ministros". Essa instituição declarou que Bolsonaro ficará inelegível, mas não deve ser preso.
Disse só isso mesmo. Não há descrição do contexto e do perfil dos ministros em off. Não há análise ou interpretação crítica. Não se sabe sequer se são dois, dez ou 44 ministros (STF e STJ somados). Temos boa razão para desconfiar que foram três ou quatro os que falaram com máscara. Talvez um pouco mais. Sabemos, com mais certeza, quem não falou.
Ministros que integram essa instituição violam a lei. Necessário conhecer a densidade normativa e ética desse terreno em que estamos pisando.
Juiz deve prestar contas pelo que decide e pelo modo como se comporta, ônus especial da profissão que escolheu. Não por quaisquer regras de etiqueta, mas por leis e princípios de ética judicial.
Juiz não anuncia decisão antes de o processo judicial terminar. A instituição do "dizem ministros" aponta decisão em processo que mal começou. Talvez para testar o humor coletivo, sinalizar preferência na negociação da sanção. Para divulgar o seu preço.
Seria grave se a declaração fosse em "on", se pudéssemos saber os mascarados quem são. A gravidade ganha outra natureza quando nomes são preservados em "off". Ao deixá-los despersonificados, o jornal dá a juízes licença para delinquir impunemente. Quando oferecem a agentes da Justiça um espaço anônimo e gratuito para a quebra de decoro, jornalistas causam danos diversos.
Primeiro, sonegam do leitor e da esfera pública uma informação jornalística. Entregam um recado de conversa privada feita em público. Prestam-se a joguete de ministro na expectativa de que ele dê contrapartida futura. Algum grão de informação para um furo. O leitor, em vez de fim, vira meio. Uma peça a ser manipulada no jogo político.
Segundo, se o compromisso do jornalismo for com instituições e práticas democráticas, não com o seu contrário, se for com transparência, e não com o ethos magistocrático e outras formas de corrupção institucional, liberar o juiz para violar a lei sem accountability trai o compromisso. Não está claro o prejuízo ao Estado de Direito?
Terceiro, conceder aspas gratuitas a sujeitos ocultos respinga, obviamente, na ética jornalística. Ninguém sai eticamente ileso. O jornalismo declaratório de fonte em off é uma aberração que manuais de jornais do país e do mundo desencorajam, salvo situações excepcionalíssimas (como uma testemunha sob ameaça de morte, por exemplo).
O colapso ético das profissões jurídicas não precisa ser facilitado por incúria jornalística. Fonte em off pode ajudar a iluminar caminhos de investigação. E o sigilo de fonte é direito constitucional para proteger tanto a fonte quanto o jornalista na apuração. Mas não serve para regatear a integridade jornalística. Que contrapartida uma fonte pode oferecer para que se coloque reputação jornalística em jogo?
Não se responde a uma ponderação ética com frases do tipo "todos fazem isso", "se eu não fizer, outros vão fazer". Parecem frases de realismo pragmático diante de idealismo ingênuo. Mas são só resignação. Pode-se combater a corrupção judicial, em vez de se vitaminá-la, disseminá-la, normalizá-la.
O que fazer? Evitando infração ética, para começar. Jornalismo não precisa ser conduíte da intriga entre magistocratas escondidos em prejuízo da informação. Mesmo para os não puristas, a prática do off a qualquer preço não negocia bem o contrato.
Margaret Sullivan, ex-editora do New York Times, dá sugestões: "Outra parte da solução é que repórteres se oponham com mais força às fontes que pedem anonimato". Senão, citações gratuitas podem "mascarar meias-verdades e mentiras isentas de controle".
Se de fato há uma grande operação para liberar Bolsonaro de qualquer responsabilidade civil e criminal, a história deve ser investigada e contada. A instituição "dizem ministros" só tem a atrapalhar.
A fonte não está acima de tudo. A declaração em off não está acima de todos.
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