Entre as muitas imagens do quebra-quebra dos bolsonaristas no dia 8 de janeiro, em Brasília, há uma sequência que me intriga sempre que a vejo. Começa pelo vagabundo que joga ao chão e destroça o relógio de dom João 6º, depois derruba o móvel e, dando-se por flagrado, atira os extintores contra a câmera no teto. Há nesse elemento um visgo de ódio contra algo que não sabe o que é, mas, para glória maior de seu líder, ele sente que precisa destruir. Equivale ao outro vândalo que estripou a tela de Di Cavalcanti —o mesmo rancor contra um objeto apenas porque ele não faz parte do seu mundo.
Mas a cena a que me refiro é a que se segue ao destruidor do relógio. Estamos agora no salão de um dos palácios sob ataque e vemos um homem que passa por uma mesa de tampo de vidro. Ele constata a existência da mesa e aplica-lhe um golpe de picareta que estilhaça o vidro. É um golpe rijo, desferido contra um objeto do inimigo —e, até aí, faz sentido. É o ódio. Mas o homem continua andando e, agora sem sequer olhar para a mesa, desfere-lhe mecanicamente mais um golpe.
Não sei o que havia naquela mesa. Imagino que objetos ou documentos preciosos sobre alguma passagem da história do Brasil, merecedores de exposição, mas frágeis ou valiosos a ponto de exigir a proteção de um vidro. O depredador bolsonarista, no entanto, é indiferente ao conteúdo da mesa. Vibra-lhe o segundo golpe já sem ódio e vai em frente. É destruir por destruir.
Fico a fantasiar como seria se Bolsonaro, antes de fugir para os EUA, tivesse se esquecido de recolher suas joias sauditas, seus Rolexes incrustados de diamantes, seus anéis, canetas e abotoaduras de ouro, e os deixado em algum recôndito móvel ou vitrine no Planalto.
Quase posso ver aquele depredador espatifando-os a martelo, burocraticamente, sem ódio, sem olhar, sem saber a quem pertenciam, só porque estavam no seu caminho.
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