O fino gelo da vida moderna está começando a rachar sob os pés dos suecos. Sempre lembrada como exemplo de igualdade social e bem-estar de seus cidadãos, a Suécia enfrenta hoje a dura realidade da inflação e, ainda pior, uma expansão de uma classe pobre que já chega a 15% da população.
Fevereiro fechou com uma inflação mensal de 1,1%, a mesma do Reino Unido, um espanto para a nação que sempre se orgulhou da estabilidade econômica. É um índice que tem sido estável, pois, em relação aos 12 meses anteriores, a inflação está em 12%.
"A inflação não era tão alta aqui desde o final da década de 1980", afirma à Folha a especialista em macroeconomia, política monetária e finanças internacionais Annika Alexius, professora do departamento de Economia Nacional da Universidade de Estocolmo.
Mas, conforme a economista, esses 12% no ano não refletem a verdade das ruas da capital sueca. "Dado que os preços dos alimentos e os custos da habitação aumentaram mais do que a inflação em geral, as famílias que já eram pobres estão realmente lutando", diz.
"Vemos que as crianças comem muito mais a merenda escolar gratuita do que antes. É um sinal de que uma parte considerável das famílias tem problemas para fornecer uma boa alimentação para seus filhos."
De fato, a alta detectada pelo site Trading Economics no que diz respeito aos alimentos na Suécia foi de 20,95% nos últimos 12 meses, uma marca sem precedentes desde os anos 1950.
Na semana passada, o governo sueco anunciou que faria uma reunião com as três grandes redes de supermercado do país para dizer que qualquer aumento de preços injustificado será considerado "inaceitável".
Essa alta aconteceu após um aumento no preço da energia elétrica, uma das consequências nefastas da Guerra da Ucrânia que pode ser sentida em toda a Europa. Outro fator que contribui para essa inflação é o aumento das taxas de juros nos últimos meses.
"A taxa de câmbio está fraca e as taxas de juros aumentaram, de modo que os bens importados —a Suécia importa a maior parte dos alimentos—, os custos de habitação e os transportes aumentaram mais do que a inflação", explica Alexius.
Em uma reportagem feita em Estocolmo, a agência de notícias France Presse esteve em alguns locais de entrega de comida gratuita de organizações beneficentes. Em uma delas, Kawian Ferdowsi contou que "nos 13 anos que estou à frente desta associação para pessoas sem-teto, nunca vi tanta gente, vejo cada vez mais pessoas à procura de um pouco de ajuda".
Na Cruz Vermelha, funcionários relataram uma mudança no perfil de quem comparece ao local. "Antes víamos essencialmente pessoas marginalizadas. Agora isso mudou. Também são famílias com crianças, idosos ou pessoas em licença médica, todos têm problemas para pagar as contas", disse o secretário-geral da organização na Suécia, Martin Ärnlöv, à agência.
Uma pesquisa encomendada pela entidade concluiu o impensável para o país nórdico: uma em cada oito famílias de baixa renda com apenas o pai ou a mãe presente afirma que tem passado fome.
Segundo Annika Alexius, a definição oficial da pobreza na Suécia é quem ganha "menos de 60% da renda mediana disponível". E hoje quase 15% dos suecos estão gravitando próximo a essa linha.
Se a renda média no país é de € 2.900 (apesar de o país não ter adotado o euro e seguir usando a coroa sueca), o que dá R$ 16.400, ser um pobre sueco é ganhar menos do que 1.740 euros (R$ 9.800).
Por fim, Alexius não acredita que a Suécia possa ser tachada como um "país desigual". "Não em comparação com a maioria dos outros países", ela diz. "Mas a desigualdade aumentou significativamente."
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