Um ano após o início da invasão total, há cada vez mais provas de que a Rússia comete genocídio na Ucrânia. Estupros, sequestros e assassinatos em massa, mísseis visando apartamentos civis, câmaras de tortura, "reeducação" do jeito russo etc. Cidades inteiras na Ucrânia já foram reduzidas a pó. Pense em um crime, e a Rússia já o cometeu.
Alex Hinton, diretor do Centro de Estudos de Genocídio e Direitos Humanos em Rutgers, diz estar "convencido" de que a Rússia comete genocídio. Ewelina U. Ochab, cofundadora da Coalizão para a Resposta ao Genocídio, avalia que "há um conjunto crescente de evidências sugerindo que as atrocidades satisfazem alguns elementos do crime de genocídio". Lise Grande, presidente e CEO da Usip (United States Institute of Peace), afirma que "há um argumento muito forte de que a conduta russa equivale a genocídio". Outros estudiosos defendem teses similares.
O que é certo, contudo, é que a Rússia comete atrocidades contra ucranianos. O Tribunal Penal Internacional emitiu um mandado de prisão contra Putin por crimes de guerra. Se o que está em jogo é se tais crimes constituem ou não genocídio, isto já é suficientemente terrível.
Esta é uma guerra de agressão; é também uma guerra imperialista. Em 2021, Putin publicou um ensaio de "história" no site do Kremlin argumentando que a Ucrânia não existe como um país ou Estado-nação. A afirmação foi repetida em discursos, onde ele até se comparou ao czar Pedro, "O Grande" por ter conquistado novamente "terras russas". A obsessão imperial de Putin não é novidade, e alguns relatam ouvi-la desde os anos 1990. É certamente difícil imaginar que no século 21 um ditador sanguinário com fantasias imperialistas tentaria redesenhar o mapa da Europa. Mas é exatamente isso que vem acontecendo desde pelo menos 2014, quando Putin invadiu a Crimeia com quase total impunidade.
Sergei Lavrov, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, planeja visitar o Brasil no mês que vem. Ele é cúmplice dos crimes de Putin. Como o Brasil irá recebê-lo? Antecipo uma resposta: "Como qualquer outro representante de Estado". A razão disso, repetida ad nauseam por alguns políticos e analistas, é que este é o único curso de ação consistente com a tradição diplomática de neutralidade do Brasil. Mas se trata de argumento, na melhor das hipóteses, curioso. Uma razão para isso é que é perfeitamente possível para o Brasil manter suas tradições diplomáticas como uma tendência geral, sem respeitá-las em todos os casos possíveis. Por exemplo, é perfeitamente possível que o Brasil esteja disposto à neutralidade na maioria dos conflitos, abrindo exceções quando certas linhas são atravessadas —genocídio, por exemplo.
Ademais, neutralidade é tipicamente entendida como a posição "correta" em virtude de ser a posição tradicional. Mas tradições não são, em geral, normativas. A decisão do Brasil de receber Lavrov não é correta simplesmente porque está de acordo com a tradição diplomática do Brasil. A palavra "consistente" seria melhor empregada aqui —muito embora, para alcançar consistência, o Brasil deve dar o mesmo tratamento para representantes da Ucrânia. Mas por que consistência com tradições diplomáticas seria desejável em todos os casos? Circunstâncias mudam e exigem adaptação —basta olhar para a Europa.
Estou assumindo que conceitos normativos desempenham um papel na diplomacia e que certas relações e decisões diplomáticas seriam corretas ou incorretas no sentido moral? Sim, absolutamente. Não é filosoficamente plausível que existam relações humanas —sejam elas diplomáticas, políticas ou econômicas— completamente alheias à esfera moral. Após quatro anos desastrosos, o novo governo deve enviar uma forte mensagem de apoio à democracia, tanto dentro do país como fora.
A visita de Lavrov apresentará a oportunidade perfeita para isso. Mas ela também apresenta uma oportunidade de mostrar que não há e não pode haver neutralidade diante de genocídio ou, se você quiser, atrocidades e crimes de guerra —esses já são ruins o suficiente. O Brasil ganha nova oportunidade de condenar atrocidades nos mais fortes termos.
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