O governo paulista oficializou a Marcha para Jesus como patrimônio imaterial, a Frente Evangélica articula-se no Congresso para ampliar benefícios fiscais. Ou seja, a ultradireita se reforça. Mas há inquietações no campo teocrático. Fala-se de queda na sacrossanta arrecadação. Depois, "Brasil Partido", um podcast da BBC Brasil, foca um racha, pós-vitória de Lula. Uma ala vestiu a fantasia golpista de retorno do inominável. São igrejas pequenas, mas com grandes números nas redes. Como suas contrapartes islâmicas, pregam jihad ou guerra santa.
Em histórias de vida transparece a formação de muitos desses guias. Numa, de observação próxima, um advogado, com experiência sindical e frequentador de academia esportiva, aparece um dia com "Jesus salva" na camiseta. Sem passado evangélico, falava emocionado sobre recente "encontro com Jesus", empreendia nova franquia templária e dispunha do local: ele seria o pastor, assessorado por um contador. As últimas notícias lhe dão como abençoado proprietário em Miami.
Nada de ilegal na historinha, que pode até ser estudada como case do "falconato" empreendedor. Mas algo destoa da sinceridade no relato. Sartre, na teoria das emoções, diz haver emoções falsas, que não passam de comportamentos interessados. A falsidade não seria apenas "característica lógica de certas proposições, mas uma qualidade existencial". Existem medos falsos, tristezas falsas.
Uma crença, por outro lado, não é jamais posta à prova, e sim a conduta que atribui magicamente qualidades a objetos verdadeiros. Assim, o desejo de obter algo (emprego, saúde) é real, mas pode se tornar imaginário por marketing religioso. O inverso acontece: um perigo imaginário (comunismo "venezuelano") é vendido como real.
A fraqueza do falseamento transmuda-se compensatoriamente em violência. É a natureza das "revelações", em que se diz transmitir a palavra de Deus. A exemplo do Alá violento para com infiéis, a jihad tabajara garante que o Senhor cristão vai agir contra o governo eleito, que teria pactuado com demônios.
Além do empreendedorismo pastoral e do almejado fortalecimento da ultradireita, cabem perguntas sobre o caráter desse avanço teocrático no espaço público. Hipótese de água-morna: guardar a pureza da fé contra a celeridade externa dos costumes.
Diz o Evangelho, porém: "Nada que vem de fora de uma pessoa pode torná-la impura. O que sai de dentro de uma pessoa é que a torna impura" (Marcos, 7,15). Isso sugere uma mística pública da purificação ou da limpeza, logo, radicalmente contrária à economia de pilhagem (dízimo, ouro, joias) e à teologia do conto-do-vigário, cujo único sagrado identificável é a isenção fiscal: "in Gold we trust".
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