Em 1991, Marco Pellegrini, 58, foi vítima de um assalto na porta de casa, em que um tiro o deixou tetraplégico. Aos 27 anos, o funcionário da Companhia Metropolitana de São Paulo se viu afastado de suas atividades, com colegas e funcionários do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) desacreditados de que um dia voltaria a trabalhar.
"É curioso porque os colegas me visitavam no hospital, em casa, me convidavam para festas da empresa, e eu sempre dizia ‘não esvaziem minha gaveta que eu vou voltar’, e a turma via isso com pena, com dó", conta.
Pellegrini relata que a discriminação era regra na época. "Quando eu circulava na rua, no comércio, qualquer coisa, o olhar que eu recebia era de ‘o que você tá fazendo aqui’. Eu resistia porque tenho origem de uma família pobre, que teve que se virar bastante para conseguir se estabelecer, meus pais foram militantes da frente negra, então isso me fortaleceu muito."
"Lidar com esse tipo de discriminação e preconceito era algo que eu já estava habituado enquanto jovem negro, então a questão da deficiência foi um impacto que se somou a isso, mas que eu já tinha desenvolvido estratégias para lidar."
Em 1994, a mediação da AME (Associação Amigos Metroviários dos Excepcionais), organização que visa a inclusão social de pessoas com deficiência, permitiu que Pellegrini se tornasse o primeiro usuário do emprego apoiado no Brasil.
Neste mês, o governo do estado de São Paulo sancionou a lei nº 17.645/2023, que institui a Política Estadual de Trabalho com Apoio para Pessoas com Deficiência, seguindo as diretrizes do emprego apoiado.
A texto prevê que haja mediação para a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, promovendo a capacitação segundo as suas potencialidades e auxiliando empregadores no processo de inclusão.
Também estabelece remuneração e benefícios iguais aos de pessoas sem deficiência que desempenham a mesma função.
No caso de Pellegrini, ele contou com a consultoria de Romeu Sassaki, nome importante do movimento de inclusão, que trouxe a metodologia para o país. Pellegrini conta que o profissional fez preparo do ambiente e da equipe, com treinamento e consultoria que foram tratados como experiência para sua reabilitação profissional.
"Neste período, eu fui sendo avaliado e a metodologia, sofisticada. Encontrando dificuldades, Romeu foi oferecendo alternativas e ajustes, e de fato estruturou e apoiou todo o processo, só saindo depois de concluído."
Pellegrini relata que a fase inicial foi a mais complicada: "Em um primeiro momento foi muito tenso estar lá, então este apoio do Romeu foi muito importante, porque ele foi pescando as coisas que não são ditas, que são sofridas e não são ditas."
As adaptações também envolveram mudanças em suas atividades, frequentemente em campo. "Eu não tinha a menor condição de estar circulando em obra, ambiente de fábrica, então essa tarefa foi compensada com outras tarefas", explica.
Além disso, a empresa possibilitou que tivesse trabalho parcialmente remoto para que pudesse atender às suas necessidades clínicas. "Eu não teria voltado a trabalhar se não fosse essa metodologia. Sem a empresa oferecer condições, sem poder estar part-time lá presencialmente para fazer fisioterapia", relata.
Pellegrini assumiu outros papéis no Metrô, auxiliando os processos inclusivos de funcionários e passageiros no dia a dia da empresa. Eventualmente, assumiu cargos públicos, como o de Secretário Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência. Hoje, atua na coordenadoria de mobilidade na Secretaria do Estado dos Direitos das Pessoas com Deficiência.
"Para mim, o principal resultado do emprego apoiado, até me emociona lembrar disso, é que os filhos que eu queria criar, um é engenheiro eletricista da politécnica aqui da USP e outro da UFSCar. Então eles terem chegado a isso é porque meu trabalho foi importante, ter de volta a minha carreira", conclui.
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