Depois de quatro anos de Bolsonaro com seus destemperos de cercadinhos, era possível esperar uma distensão na vida política nacional. Lula prometeu paz, estabilidade e previsibilidade. Em pouco mais de um mês de governo, na sua relação com o Banco Central independente, com o inevitável ricocheteio na economia, entregou beligerância e balbúrdia.
A contrariedade de Lula tem dois aspectos. Num, ele e seu ministro da Fazenda acham que a taxa Selic de 13,75% ao ano é exagerada. Noutro, ele acredita que a autonomia do Banco Central é uma "bobagem". A respeito da taxa, a discussão está aberta. Quanto à "bobagem" não há o que discutir, a autonomia do Banco deriva de um ato do Congresso.
Num de seus momentos de crítica, Lula formulou uma comparação:
"Eu duvido que esse presidente do Banco Central, (Roberto Campos Neto) seja mais independente do que foi o [Henrique] Meirelles."
Verdade, mas a diferença não está na figura de Campos Neto, está na de Lula. Do início de 2003 ao final de 2010, Henrique Meirelles presidiu o Banco Central e o então presidente Lula deixou-o em paz. Nunca se referiu a ele como "esse presidente" ou "esse cidadão".
Passou o tempo e Lula entrou no seu terceiro mandato sem ao menos uma reunião protocolar com Campos Neto. Pior: durante a transição, enquanto sua equipe negociava uma Emenda Constitucional para desafogar seu primeiro ano de mandato, o presidente do Banco Central não sabia sequer para quem devia telefonar.
Na sua última investida, Lula disse que "não existe justificativa nenhuma para que a taxa de juros esteja em 13,50% [ela está em 13,75%]. É só ver a carta do Copom para a gente saber que é uma vergonha esse aumento de juro".
O Copom de hoje, como o do tempo de Meirelles, fixa a taxa de juros para segurar a inflação, essa sim, uma vergonha. Lula falou que houve aumento da taxa de juros, o que não aconteceu. Ela ficou onde estava. Aumento da Selic ocorreu em janeiro de 2003, no primeiro mês do mandato de Lula, quando o Copom elevou-a de 25% para 25,5%.
À época, ele não reclamou, pois estava de olho na credibilidade de seu governo. Obteve-a. (O vice-presidente José Alencar viria a criticar os juros altos, sem chamar quem quer que fosse de "esse cidadão".)
Passados vinte anos, Lula pode até ser outro, mas, ao escolher o Banco Central, para o papel de vilão, e seu presidente para o de bode, difere do que foi e assemelha-se ao seu antecessor. Emparedado pela pandemia do Covid, transformou o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta em bode, demitiu-o, e não foi a lugar algum.
Há um forte cheiro de intriga palaciana no que parece ser uma malquerença de Lula com Roberto Campos Neto. O presidente do Banco Central foi a alguns eventos onde não deveria ter aparecido, mas chamá-lo de bolsonarista é patrulha vulgar.
Num governo que teve no ministro Paulo Guedes um vendedor de sonhos, Campos Neto teve um comportamento institucional. Num sinal de novos (e velhos) tempos, além das críticas de Lula e de alguns de seus ministros, ele é envenenado na blogosfera, arma trazida para o cotidiano político pelo capitão Bolsonaro.
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