Colher três safras agrícolas na mesma área em um ano e alguns dias não é novidade para o agricultor Emílio Kenji Okamura. Cultivando cerca de 1,8 mil hectares em Capão Bonito, no sudoeste paulista, ele plantou feijão entre agosto e setembro para colher em dezembro passado; na colheita desse grão, iniciou o plantio da soja, para colher agora em abril; o que vai abrir espaço na sequência para o trigo, que ficará no ponto em setembro.
“As condições de solo e clima em nossa região, que tem um regime de chuvas bem regulado, permitem fazer uma safra atrás da outra”, diz o agricultor, que está longe de ser um exemplo isolado no País.
A tecnologia do plantio direto, a irrigação e o melhoramento genético dos cultivares já permitem que os agricultores brasileiros de forma geral consigam colher até três safras agrícolas por ano numa mesma área.
Em algumas regiões, é possível obter três safras cheias de grãos, como soja, milho e trigo, sem necessidade de arar, gradear ou adubar previamente a terra. O adubo é aplicado junto com a semente que vai para o solo quase no mesmo instante em que a cultura anterior é colhida. É cada vez mais comum nos campos brasileiros ver tratores com plantadeira “empurrando” a máquina colhedora.
Segundo o chefe-geral da Embrapa Soja, Alexandre Nepomuceno, um conjunto de técnicas e manejos, aliado à pesquisa, está permitindo que a chamada terceira safra avance em todas as regiões do País. Ele afirma que 70% dos quase 77 milhões de hectares cultivados já utilizam o plantio direto, o que tem permitido a colheita de safras sucessivas sobre o mesmo terreno. “Temos de levar em conta que a expansão da soja no País contribuiu para essa evolução, pois, além de ser um grão altamente produtivo, a planta tem características que preservam e enriquecem o solo, evitando sua exaustão”, disse.
A capacidade de produzir safras sucessivas na mesma área é um dos fatores que contribuem para aumentar a produção agrícola do Brasil sem abrir novas áreas de cultivo. Esse recurso se aproveita do plantio direto, uma prática conservacionista iniciada na década de 1970 pelos agricultores brasileiros. A técnica consiste em manter o solo sempre coberto por plantas ou resíduos vegetais – geralmente a palhada da cultura anterior – para fazer a semeadura e adubação sem necessidade de revolver o solo.
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A expansão da soja, que tem variedades precoces, com ciclo de 100 a 120 dias, ajudou a estreitar o calendário dos cultivos, possibilitando mais safras em menor tempo. Principal grão cultivado no País, a soja entra em praticamente todos os esquemas de uso intensivo do solo, fazendo a rotação com milho safrinha, feijão, sorgo e cobertura verde. “Outros países produtores de grãos, como Argentina, Estados Unidos e toda a Europa, não conseguem isso porque têm invernos rigorosos”, disse o pesquisador da Embrapa.
Rodízio de grãos
Nas áreas cultivadas pela Cooperativa Agrícola de Capão Bonito, no sudoeste paulista, os 102 agricultores associados seguem um esquema de cinco safras em dois anos – um ano de três safras, outro de duas – e obtêm alta produtividade. A soja, plantada em 24 mil hectares, entra em todos os ciclos, em rotação com milho, milho safrinha, sorgo, trigo, feijão e cobertura verde. O solo fica o ano inteiro com alguma lavoura ou com plantas que aumentam a umidade, fazem a reciclagem de nutrientes e combatem doenças da terra.
Um dos cooperados, o produtor Walter Kashima, cultiva cerca de 2,5 mil hectares. Ele colhia em meados de fevereiro uma média 80 sacas (4.800 quilos) de soja por hectare. Na mesma área, ele estava semeando o milho que será colhido entre junho e julho deste ano. As três plantadeiras seguiam o rastro de palha triturada deixado pelas colheitadeiras e abriam sulcos para depositar a semente com adubo.
Para fazer o plantio direto, os produtores deixam a palha e resíduos da cultura colhida sobre o solo, que, dessa forma, fica protegido do sol e da erosão. Essa cobertura mantém a umidade do solo, favorece o desenvolvimento de microrganismos e protege a reserva dos adubos usados na lavoura. Também evita a compactação do solo. Plantadeiras próprias para esse cultivo abrem sulcos no solo e depositam as sementes, junto com o adubo. O próprio equipamento cobre os sulcos com terra, favorecendo a germinação.
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Segundo Nepomuceno, da Embrapa, o País consegue alta produtividade mesmo com baixo uso de irrigação. “A maioria da área de grãos brasileira depende de chuva. Na soja, por exemplo, só 4% da área é irrigada. Irrigar 46 milhões de hectares é quase impossível. Além do custo, vamos ter o problema da água, bem escasso. Então, investimos no bom manejo, na rotação de culturas, e aí entra de novo a pesquisa, que nos permitiu desenvolver variedades de soja, por exemplo, com um sistema radicular mais profundo e que resiste mais à seca.”
No Oeste do Paraná, agricultores também já fazem três safras seguidas em um ano, sempre incluindo a soja. O Estado é o segundo maior produtor do País, e colhe 20,7 milhões de toneladas nesta safra. O produtor Amauri Grisotti, de 52 anos, que cultiva 640 hectares no município de Toledo, escolheu um cultivar de soja precoce com ciclo de 120 dias para fazer a rotação com híbrido de milho superprecoce, de 140 dias. “Estou fazendo soja na safra, milho na safrinha e trigo no inverno. Nesse sistema, a produtividade total melhorou 20% porque a reserva de fertilizantes no solo é transferida de uma lavoura para outra”.
Produção dobrada
Como o País tem biomas com muita diversidade, as regiões agrícolas adaptam o manejo das lavouras usando as tecnologias disponíveis em cada área. A terceira safra no Mato Grosso costuma envolver soja, milho safrinha e cobertura verde; já no Paraná e interior de São Paulo, entram soja, milho e trigo ou sorgo; no Mato Grosso do Sul, soja, milho e pasto (braquiária); e no Rio Grande do Sul, Estado com temperaturas mais baixas, trigo, soja e olerícolas.
“Temos agora o sistema de plantar soja no meio do milho, que ainda está no início, mas tem tudo para se expandir”, disse Nepomuceno.
O uso de sistemas de produção intercalados pode levar o Brasil a dobrar a atual produção de grãos na próxima década, segundo o pesquisador. “Temos uma área de 120 milhões de hectares de pastagens, e metade disso é de pastagem degradada. Dados da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) mostram que vamos aumentar, só de soja, de 10 milhões a 15 milhões de hectares, e a soja é uma grande recuperadora de solos, por isso recupera também as pastagens.”
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