O Tribunal de Justiça de São Paulo, informa Mônica Bergamo, decidiu que impedir o aborto de um feto sem chance de vida extrauterina significa impor dupla punição à mulher, já que ela seria obrigada a seguir com uma gravidez destinada ao fracasso. Com esse arrazoado, o desembargador Edison Tetsuzo Namba reverteu decisão de primeira instância que impedia uma gestante de realizar o procedimento, apesar de o embrião não possuir nenhum dos rins e estar com os pulmões comprometidos.
A decisão do TJ é correta, mas, a meu ver, é ainda pouco. O direito ao aborto deveria ser um desdobramento lógico da autonomia da mulher. Se há algo que não faz sentido, é tratar o nascituro como um indivíduo com os mesmos direitos de uma pessoa natural, como parece ter feito a magistrada da primeira instância. Uma das consequências de fazê-lo seria a redução dos direitos da mulher.
Hoje não existem leis que impeçam uma gestante de envolver-se em atividades perigosas, como atravessar o cabo Horn a nado ou pular de montanhas de "wingsuit". Também não há normas que a forcem a abster-se de comportamentos que comprometam a saúde do nascituro, como fumar e tomar porres diariamente. Se o feto fosse tratado como uma pessoa com direitos iguais aos da gestante, membros do Ministério Público ficariam tentados a impor restrições. Pior, o passo lógico seguinte seria criminalizar algumas dessas condutas. Engravidar significaria rebaixar o próprio estatuto jurídico.
A única forma de escapar desse e de outros paradoxos jurídicos –as sucessões virariam um campo minado se a personalidade jurídica viesse já com a concepção-- é renunciar definitivamente à ideia de equiparar feto a pessoa e tratá-lo como uma entidade que vai ganhando, não direitos, mas camadas de proteção à medida que a gravidez evolui.
Abortar um feto de oito meses exige razões mais sólidas do que interromper uma gestação de poucas semanas.
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