terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

O agro é tech, editorial OESP

 Na cultura popular, o campo é associado ao passado; as cidades, ao futuro. Na área tecnológica, em especial, a indústria é vista como o espaço da inovação e a agropecuária, como o da tradição, quando não do atraso. Mas o agronegócio brasileiro desmente radicalmente esses estereótipos.

Nas últimas décadas, a agropecuária tem sido uma ilha de excelência em termos de crescimento da produtividade, seja comparada a outros setores da economia nacional, como indústria e serviços, seja comparada à agropecuária de outros países.

Em duas ou três gerações, o Brasil passou de importador de alimentos a um dos maiores exportadores do mundo, em vias de se tornar o maior. Entre 2011 e 2020, por exemplo, enquanto o setor de serviços cresceu apenas 1,5%, a indústria encolheu 12,8% e o PIB, como um todo, 1,2%, a agropecuária cresceu 25,4%. Entre 2006 e 2017, enquanto a média de crescimento anual da agropecuária dos maiores competidores do Brasil, os EUA e a China, foi de, respectivamente, 1,9% e 3,3%, no Brasil foi de 4,3%.

Essa história de sucesso, que tem muito a ensinar a outros setores, foi calcada em empreendedorismo, reformas econômicas (como a liberalização do mercado), políticas públicas (como as de crédito e fomento), parcerias público-privadas e, acima de tudo, inovação e tecnologia.

Ao longo da chamada “Revolução Verde”, que desde os anos 60 introduziu técnicas como a alteração genética de sementes, fertilizantes químicos, irrigação controlada e novos métodos de mecanização, o Brasil começou como um dos grandes beneficiários e se transformou gradualmente num dos grandes pioneiros. O Cerrado, em especial, deixou de ser uma região pouco apropriada para a agricultura em razão da acidez do solo para se transformar num dos maiores polos globais de produção de soja. Como mostrou reportagem do Estadão, tornou-se corriqueira, por exemplo, a colheita de três safras de grãos por ano.

Ao assumir um papel de vanguarda nessa revolução, o Brasil contribuiu para reduzir a pobreza, a insegurança alimentar, a mortalidade infantil, as emissões de gases de efeito estufa e o uso de terras para a agricultura. Mas essa explosão de eficiência trouxe também seu ônus: o esgotamento e a erosão do solo, alterações nos ecossistemas, desmate e priorização da estrutura latifundiária em detrimento da produção familiar, impulsionando o êxodo rural.

Assim, aos triunfos da produtividade se somaram os desafios da sustentabilidade. Também nesse âmbito o Brasil tem sido pioneiro, aprimorando técnicas como a integração lavoura pecuária e promovendo a agricultura de precisão através de tecnologias digitais como a Internet das Coisas, a robótica, sensores meteorológicos, Big Data e computação em nuvem, ou a agricultura vertical.

Ainda há, contudo, entraves a serem eliminados, notadamente a infraestrutura precária de internet, ainda não acessível a todos os produtores, em especial os pequenos. Se essas deficiências não forem vencidas, há o risco de aumentar o abismo entre pequenos e grandes produtores, perdendo-se uma janela de oportunidades para reduzir a desigualdade nacional.

No campo das políticas públicas, além de melhorias gerais no ambiente de negócios e na infraestrutura, é preciso fortalecer incentivos, focando em crédito para projetos que incorporem inovações tecnológicas, técnicas gerenciais e práticas ambientais. Incentivos diretos à inovação envolvem a promoção da pesquisa e cooperação transversal entre diversos setores, especialmente robustecendo a capacidade de colaboração da Embrapa. Para que sejam socialmente sustentáveis, essas medidas devem ser combinadas a políticas de capacitação e assistência técnica às pequenas propriedades rurais familiares.

Ao contrário da trajetória de degradação da indústria que precisa ser revertida, o agro brasileiro já vive um ciclo virtuoso. Se for potencializado, a agropecuária pode ser ainda mais sustentável, criar mais empregos e aumentar rendas nas zonas rurais, exportando para o mundo um modelo de produtividade e sustentabilidade.

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