Teólogos sempre tiveram dificuldades para conciliar a óbvia presença do mal na Terra com a ideia de um ser supremo que seja ao mesmo tempo onipotente e benevolente, mas são as grandes catástrofes naturais, como o terremoto desta semana na Turquia e na Síria, que escancaram a real dimensão de seu apuro: um evento de poucos segundos sobre o qual os homens não têm nenhuma agência deixa um rastro de milhares de mortos e sofrimento numa escala difícil de imaginar.
O problema da (in)justiça divina, também chamado de problema da teodiceia, é conhecido desde a Antiguidade. Ele é logicamente inatacável ("modus tollens"), o que significa dizer que, se as premissas são verdadeiras, a conclusão também o é, necessariamente. Para tentar sair da armadilha, religiosos precisam negar ou ao menos relativizar a onipotência ou a benevolência divinas, ou a própria existência do mal, que não passaria de aparência.
Uma saída popular entre cristãos é recorrer ao livre-arbítrio. O mal existe porque Deus deu aos homens a capacidade de escolher —o que é bom. Mas, ao fazê-lo, teve de permitir que eventualmente optassem pelo mal. Engenhoso e, se formos benevolentes, o argumento poderia funcionar nas situações em que o mal é resultado de ações humanas. Mas esse não é o caso de movimentos sísmicos.
O grande terremoto de Lisboa, de 1755, fez com que dois dos maiores filósofos de língua francesa, Voltaire e Rousseau, duelassem acerca dessas questões. Voltaire compôs um poema no qual confronta o Criador com o problema da teodiceia. Rousseau toma as dores de Deus e responde com uma carta em que procura isentá-Lo de toda responsabilidade. Não consegue, mas, na tentativa, levanta uma outra questão fundamental. As consequências de desastres naturais são em larga medida determinadas pelos homens. Na hora do terremoto, o tipo de ocupação do solo e a qualidade das construções fazem toda a diferença.
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