Fim das férias é o "credo que delícia" dos pais, que passam a ter o apoio da escola no cuidado com os filhos ao mesmo tempo em que precisam sustentar uma rotina que faz lembrar controle de tráfego aéreo. Deixar filhos na escola implica num ato de fé e confiança nos professores, nos diretores, nos funcionários, nas demais crianças e nos próprios filhos. Será que todos se comportarão bem? Provavelmente sim, mas não o tempo todo, claro.
Os pais hoje entregam os filhos na escola de forma bem diferente do que faziam décadas atrás. Embora sempre tenha existido tensão entre instituições de ensino e família, a cobrança por performance e o ideário individualista têm levado a segunda a fazer uma marcação cerrada sobre a primeira. De olho no desempenho apenas da própria criança e pouco sensíveis à ideia de comunidade de ensino, pais têm feito apostas bem arriscadas para o futuro dos filhos.
As boas intenções que os movem —me dirijo aos pais bem-intencionados, claro— são atravessadas por valores que muitas vezes resultam no oposto do que se espera. Está aí a geração "nem nem", de jovens que "nem" estudam "nem" trabalham, para revelar com sua atuação (ou na falta dela) um sintoma do empuxo à produtividade, do acúmulo de bens descartáveis, do "empreendedorismo de si", da meritocracia negacionista e outros abacaxis que nossa época nos legou para descascar.
A relação dos pais com a escola é fundamental para que exista uma comunidade de ensino e que ela cumpra sua função. A questão é saber se estamos minimamente de acordo sobre qual seria essa função. Porque se não for para criar cidadãos que exerçam, com suas competências únicas, sua parte numa sociedade da qual dependem e que depende deles, nosso projeto é, para dizer o mínimo, a derrocada coletiva. Assim como as mudanças climáticas não precisaram aguardar as próximas gerações para se fazerem sentir, os casos de depressão e ansiedade, medicalizados ou não, entre crianças e jovens em idade escolar explodem, nos alertando de que o futuro é hoje, seus efeitos já estão aí.
Os pais nunca foram tão bem-vindos à escola, diria mesmo que se tornaram imprescindíveis na luta contra a ameaça perene que paira sobre os coletivos em nossa sociedade. Mas a sua participação não pode reproduzir aquilo mesmo que promove tanto sofrimento, imprimindo um caráter individualista, autocentrado, competitivo e demandante na sua participação.
Escolas tampouco podem se fechar à contribuição das famílias, na condição de que não o façam por chantagens financeiras. Na carteirada do "você sabe quem paga isso aqui?", que se ouve de alguns pais hoje, sugiro que respondamos: as crianças! São elas que pagam com sintomas e desorientação quando o corpo escolar se esfacela, deixando-as divididas e expostas.
As crianças, por sua vez, ávidas por testar todos os limites a que têm direito para se certificarem de onde estão pisando, são mestres em fazer intrigas entre os diferentes sujeitos responsáveis por sua formação. Tomar o lado da criança é tomar o lado da comunidade de ensino, renovando a aposta nessa pequena e protegida amostra do que a espera no mundo adulto. Se ali ela não se sentir estimulada a enfrentar injustiças com seus recursos, fica difícil supor que terá coragem de se virar no mundão que a espera. A escola não é um lugar livre de problemas, longe disso, mas é o lugar onde se aposta nas formas mais elevadas de lidar com eles.
Bem-vindos de volta à escola, país! Ocupem seus devidos lugares.
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