segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

Collor e Dirceu ainda podem ser presos pela Lava Jato; veja o que resta da operação, FSP

 

SÃO PAULO

A força-tarefa da Lava Jato foi encerrada, o principal alvo da operação foi eleito presidente da República e as duas mais proeminentes autoridades do caso abandonaram seus cargos e se elegeram para o Congresso.

Isso não significa, no entanto, que a Lava Jato foi definitivamente encerrada no Judiciário e que os casos foram todos extintos ou declarados prescritos, a exemplo do que ocorreu com os de Luiz Inácio Lula da Silva.

Manifestante segura placa que diz: "Lava Jato até o fim".
Manifestantes durante ato em apoio à Lava Jato, em São Paulo, em 2016 - Eduardo Anizelli - 20.nov.16/Folhapress

Mesmo que com réus bem menos conhecidos, e com juízes de perfis muito diferentes do de Sergio Moro, ainda tramitam dezenas de ações penais e procedimentos relativos à Lava Jato e a seus desdobramentos em Curitiba e em outras jurisdições pelo país, incluindo o STF (Supremo Tribunal Federal).

Nomes como o ex-presidente Fernando Collor (hoje no PTB) e o ex-ministro petista José Dirceu são alguns dos réus com possibilidade de ir para a cadeia em decorrência de processos da operação.

Fora do Brasil, também continuam a ocorrer efeitos das investigações, como condenações no último ano nos Estados Unidos em decorrência do acordo de colaboração da Odebrecht, empreiteira hoje rebatizada como Novonor.

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Em dezembro, a operação que impactou fortemente a vida política nacional na década passada teve um marco com a saída da cadeia de Sérgio Cabral, ex-governador do Rio que estava preso havia seis anos, sendo o último detido de expressão ainda atrás das grades.

Veja a situação dos casos em diferentes instâncias:

PENDÊNCIAS EM CURITIBA

A reportagem localizou ao menos 34 ações penais em tramitação hoje na Justiça Federal no Paraná, que inicialmente conduziu os casos da Lava Jato a partir de sua deflagração, em 2014. Também há uma série de outros processos com andamento suspenso por decisão judicial.

Na lista dos réus na primeira instância, há nomes mais laterais, como ex-executivos da Petrobras, operadores e ex-executivos de empreiteiras, como a Odebrecht.

Parte dos processos envolve réus que estão no exterior, em países como Paraguai, Argentina e Espanha. Essa circunstância acabou atrasando o andamento.

O ritmo de tramitação não é mais acelerado como nos tempos do ex-juiz Sergio Moro, que em alguns casos expedia sentenças em questão de meses.

Um dos poucos políticos remanescentes na lista é José Dirceu, chefe da Casa Civil no primeiro governo de Lula. Ele é acusado de lavagem de dinheiro por repasses de duas empreiteiras. Outro é o hoje suplente de senador Ney Suassuna, da Paraíba. Ambos negam as acusações feitas.

A defesa de Dirceu questiona a legitimidade da ação com base em diálogos que os procuradores trocaram no aplicativo Telegram e que mostraram colaboração entre o Ministério Público e o então juiz Moro. Os diálogos, apelidados de Vaza Jato, foram publicados por diversos veículos de comunicação, incluindo a Folha, e comprometeram a credibilidade da investigação em 2019.

O ex-juiz, hoje senador pela União Brasil-PR, despachou sentenças em 45 processos, de 2014 a 2018.

Parte dessas condenações, porém, foi anulada, principalmente devido a mudança de entendimento do STF sobre o foro apropriado para a tramitação de casos relacionados ao caixa dois eleitoral.

O sucessor de Moro à frente do caso, a partir de 2019, foi o juiz federal Luiz Antônio Bonat, que assumiu o posto a pedido em transferência interna na Justiça Federal no Paraná. Ele deixou a Vara Federal em 2022, ao ser promovido para a segunda instância.

No último dia 7 de fevereiro, começou a despachar no lugar dele o magistrado Eduardo Appio. Ele se diz um juiz de perfil garantista e afirmou em entrevista à Folha que tentará ampliar a equipe de servidores e evitar a prescrição de casos. "A Lava Jato não morreu", disse, na ocasião.

Também atua na operação a juíza substituta Gabriela Hardt, que em 2019 sentenciou Lula no caso do sítio de Atibaia —condenação também anulada.

RIO E OUTROS ESTADOS

De 2015 em diante, acusações feitas em acordos de colaboração firmados a partir das investigações de Curitiba foram enviadas para apuração em outros estados.

No Rio de Janeiro, a iniciativa deu origem a um conjunto de inquéritos que mirou, entre outros alvos, negócios do ex-governador Sérgio Cabral (ex-MDB). Os casos ficaram sob responsabilidade do juiz Marcelo Bretas, da primeira instância.

Cabral deixou a cadeia em 19 de dezembro para cumprir prisão domiciliar, restrição também revista em fevereiro. Condenado em mais de 20 processos, ele ainda responde a denúncias formuladas pela força-tarefa local do Ministério Público, que foi extinta em 2021.

O Supremo tem decidido redistribuir uma parcela dos processos para outras varas, por entender que não há conexão direta deles com o ponto de partida da Lava Jato fluminense, que foi um esquema de desvios na Secretaria Estadual de Obras na gestão de Cabral. Um dos casos afetados foi a Operação Pão Nosso, de 2018, sobre corrupção na Secretaria de Administração Penitenciária.

Houve também envio para a Justiça estadual do Rio, como no caso de desdobramentos da Operação Ponto Final, relativa à corrupção no setor de transporte público urbano.

Outra situação em discussão é se a Operação Câmbio, Desligo, que prendeu suspeitos de integrar uma rede de doleiros em 2018, deve permanecer sob a responsabilidade de Bretas. Em julho passado, Bretas decidiu suspender a tramitação das ações penais relacionadas para aguardar julgamento sobre a atribuição no STJ (Superior Tribunal de Justiça).

Há ainda processos no Rio em tramitação, por exemplo, acerca de irregularidades na usina de Angra 3 e na construção do metrô carioca.

No Distrito Federal, tramitam processos sobre a estatal Transpetro e é réu, entre outros, o ex-senador emedebista Romero Jucá (RR), em ação relativa à Odebrecht.

Em junho, a Procuradoria em Pernambuco apresentou denúncia relacionada a pagamentos da Odebrecht no exterior na época do governo de Eduardo Campos (PSB), que morreu em acidente aéreo em 2014.

JUSTIÇA ELEITORAL

A decisão do STF que estabeleceu que denúncias ligadas a caixa de campanha não devem tramitar na Justiça Federal acabou reconfigurando toda a lógica dos processos da Lava Jato a partir de 2019.

Sentenças que já estavam sendo reavaliadas nas cortes superiores, como as que abordavam pagamentos ao PT, foram anuladas, com ordem para que recomeçassem a tramitação novamente, na Justiça Eleitoral.

Porém esse braço do Judiciário, responsável por organizar as eleições, não conta com a mesma estrutura especializada para julgar processos complexos, e o panorama até agora tem sido de poucos resultados efetivos.

O ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (hoje no PTB) foi um dos que tiveram condenações anuladas, e a antiga denúncia foi enviada à Justiça Eleitoral do Rio de Janeiro. Nesse tipo de situação, em tese, decisões anteriores podem ser revalidadas.

No ano passado, o ministro do STF Ricardo Lewandowski determinou o envio à Justiça Eleitoral da maior das ações penais em tramitação no Paraná, relativa à construção de uma sede da Petrobras na Bahia. O processo, agora enviado ao DF, tinha mais de 40 réus, como empreiteiros e ex-executivos da Petrobras.

Em São Paulo, chegou a ser criado em 2020 um grupo de promotores eleitorais designado para se dedicar a casos desse tipo. Foram denunciados políticos como o atual secretário estadual Gilberto Kassab (PSD) e o senador José Serra (PSDB).

INVESTIGAÇÕES ESTANCADAS

Se nos tribunais a Lava Jato ainda gera muita discussão, tudo indica que a era das sucessivas fases da operação no Paraná acabou. A deflagração de novas operações, com cumprimento de mandados de busca ou de prisão, não mais ocorre nos moldes do auge da investigação, entre 2014 e 2018.

A etapa mais recente foi desencadeada em outubro de 2021. Na época, a Folha mostrou que as autoridades do Paraná cumpriram mandados de busca e apreensão ligados ao esquema de corrupção na Petrobras, mas não a chamaram nem de fase nem de Lava Jato. Oficialmente, a investigação contou com 82 etapas.

A Procuradoria no Paraná informou que foram protocoladas mais quatro denúncias relacionadas à operação em 2022. Segundo o juiz federal Eduardo Appio, ainda há 71 procedimentos sob sigilo em tramitação na Vara Federal de Curitiba.

Com o passar do tempo, fica mais improvável que provas colhidas no auge da Lava Jato ainda gerem novos desdobramentos relevantes na Justiça.

Os fatos tratados na Lava Jato são em sua maior parte relacionados até a eleição de 2014 —quase uma década atrás, portanto. Quanto mais antiga a suspeita, mais difícil fica levantar evidências e comprovar os delitos, além de existir o risco de prescrição.

STF

O Supremo foi um dos principais palcos da Lava Jato com a análise de uma série de denúncias apresentadas pela Procuradoria-Geral da República contra autoridades com foro que deveriam ser julgadas na corte.

A partir de 2018, o entendimento do tribunal mudou, e os casos não relacionados aos mandatos dos parlamentares foram enviados à primeira instância nos estados.

Um dos casos remanescentes no tribunal envolve o ex-presidente Fernando Collor, que perdeu a última eleição em Alagoas ao concorrer pelo PTB. Ele é acusado de corrupção, lavagem de dinheiro e de integrar organização criminosa que desviou recursos da BR Distribuidora na época dos governos do PT. No mais recente pleito, Collor se aliou a Jair Bolsonaro, do PL.

As partes entregaram suas alegações finais ao STF em 2019 e o relator, ministro Edson Fachin, citou o risco de prescrição. Ainda não há data para o julgamento.

O ex-presidente e ex-senador Fernando Collor de Mello
O ex-presidente e ex-senador Fernando Collor de Mello - André Coelho/Folhapress

Outra atribuição do Supremo é julgar recursos de réus condenados em outras instâncias do Judiciário. Quando não houver mais possibilidade de apelação, a Justiça poderá determinar o cumprimento das penas.

Estão nessa situação réus da Lava Jato, como o ex-tesoureiro do PT João Vaccari, que recorreram em todas os graus da Justiça até chegar à corte.

O saldo da operação no Judiciário volta e meia ressurge nos debates da corte. Em junho passado, o ministro Luiz Fux disse em evento que os casos foram anulados apenas por "questões formais".

Gilmar Mendes, que se tornou um dos principais críticos da investigação, rebateu dias depois afirmando que "não se combate crime cometendo crime". Ao falar da Lava Jato, associou à tortura a tática de obter delações de acusados presos e afirmou que o Supremo "não pode subscrever práticas ilícitas".

Ricardo Lewandowski, ao suspender em março ação contra Lula que tramitava no DF, escreveu que houve "graves vícios que maculam as investigações" contra o petista e que o Ministério Público buscava valer-se de delatores —"quaisquer que estivessem à mão"— para corroborar suas narrativas.

OUTROS PAÍSES

No exterior, desdobramentos de revelações da Lava Jato no Brasil ainda continuam repercutindo na Justiça. O principal foco são suspeitas trazidas pela delação da Odebrecht, firmada em 2016 também com autoridades da Suíça e dos Estados Unidos.

Em maio passado, foi divulgado que a Justiça americana condenou à prisão por lavagem relacionada à construtora dois filhos do ex-presidente do Panamá Ricardo Martinelli (2009-2014). A propina envolvida era de US$ 28 milhões, segundo a sentença.

O banqueiro austríaco Peter Weinzierl, de um banco usado pela empreiteira para o pagamento de suborno, tenta evitar a extradição do Reino Unido para os Estados Unidos, que pretende processá-lo.

No Peru, o ex-presidente Ollanta Humala e sua esposa serão julgados por acusação de corrupção por parte da Odebrecht. Delatores, como o ex-empreiteiro Marcelo Odebrecht, vão depor na corte do país em abril.

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