Vladimir Putin bagunçou de vez aquilo que já andava meio confuso. Falo da dicotomia esquerda-direita. O autocrata russo recebe o apoio de várias alas da esquerda mundial por causa principalmente do antiamericanismo. Já a direita celebra Putin porque ele é, bem, de direita... Duas de suas características mais salientes são o conservadorismo e o autoritarismo.
Quão úteis ainda são as noções de esquerda e direita? Elas surgiram como um achado empírico. Na França pré-revolucionária, os deputados que se sentavam à direita da cadeira reservada ao rei na Assembleia (nobres e clero) defendiam as teses conservadoras, e os que se sentavam à esquerda (a burguesia) queriam mudanças. Eram, portanto, conceitos bastante informativos, já que a distinção era nítida e dava conta dos principais dilemas políticos.
O problema é que o mundo foi se tornando um lugar mais complexo e a dicotomia ficou menos informativa. Hoje, ouvir de uma pessoa que ela se considera de esquerda não permite mais prever como se posicionará, por exemplo, em relação à guerra na Ucrânia ou mesmo à liberdade de expressão, que já foi bandeira esquerdista. Muitas das distinções se fazem atualmente com base na genealogia do grupo com o qual o indivíduo se identifica. Se você é simpatizante do PT, é de esquerda. Mas mesmo isso está se tornando problemático. É só ver que Geraldo Alckmin será um cacique do Partido Socialista.
Até existiriam alternativas mais científicas para proceder a classificações ideológicas. Gosto particularmente do sistema concebido por Jonathan Haidt, baseado em combinações de um núcleo de sentimentos morais básicos. Mas a proposta não pegou. Ela gera diagnósticos muito nuançados, que, se ganham em precisão, perdem ao deixar de lado as delícias do enquadramento binário. Receio que, quando evocamos esquerda e direita, estamos mais interessados em nos exibir para o mundo do que em entendê-lo.
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