Foi só o bolsonarismo começar a ir embora que voltou o debate de ideias. Em "Reconstrução: O Brasil nos Anos 20", organizado por Felipe Salto, João Villaverde e Laura Karpuska, um grupo de autores de altíssimo nível, todos jovens, propõe ideias para a retomada do projeto de construção da democracia brasileira. É um livraço.
Os capítulos são textos de diferentes tipos: por exemplo, há boas reconstruções históricas, como as de João Villaverde e Rodrigo Brandão sobre o presidencialismo brasileiro; ou a de Irapuã Santana sobre as políticas públicas que preservaram a desigualdade racial herdada da escravidão. Há dois excelentes textos sobre o estado de nossa esfera pública: um de Laura Karpuska e Vandson Lima sobre accountability nas redes sociais e na imprensa e outro de Tai Nalon, chefe da agência de checagem Aos Fatos, sobre o problema das fake news.
Há também várias propostas boas de políticas públicas, que podem ajudar na construção dos programas de governo dos candidatos de oposição.
Talita Nascimento propõe a replicação dos casos de sucesso do Programa de Alfabetização na Idade Certa (PAIC), do Ceará, e do ensino médio de Pernambuco. O PAIC extinguiu a indicação política dos diretores de escola, criou materiais estruturados para serem usados por professores e alunos em sala de aula e implementou uma política de incentivos para municípios cujos alunos apresentassem boa evolução. Em Pernambuco, a jornada escolar do ensino médio foi ampliada para 9 horas diárias, incluídas horas para tutoria, laboratório e horários de leitura, tudo a partir de metas estabelecidas em diálogo com as escolas.
Pedro Fernando Nery propõe um benefício infantil universal ou semiuniversal pago por criança, como os que já existem em diversos países. Nery chama atenção para um aspecto importante do problema: os pais das crianças ricas já recebem um benefício quando descontam gastos com dependentes no Imposto de Renda.
Rodrigo Orair, Theo Palomo e Laura Carvalho propõem uma reforma que torne a tributação brasileira mais progressiva. A reforma incluiria, entre outros pontos, um imposto sobre carbono que aceleraria nossa transição para uma matriz energética mais limpa, regras mais semelhantes para a renda do trabalho e da atividade empresarial (inclusive, suponho, a dos "pejotizados"), um imposto sobre patrimônio dos mais ricos e a adoção de um imposto de valor agregado como o proposto no projeto de reforma tributária do economista Bernard Appy.
Em um texto muito instigante, Laura Karpuska, Felipe Salto e Ricardo Barboza propõem reformas para reconstruir nossa economia com base em três ideias: (a) abertura comercial; (b) a luta contra o spread bancário para reduzir os juros; e (c) a melhoria de nosso ambiente de negócios. A defesa da abertura deve suscitar resistências no leitor de esquerda. É um assunto a ser tratado com cuidado, mas a direção geral tem que ser a integração. O exemplo dos países do leste asiático (inclusive os de governo comunista) mostram que é difícil prosperar no capitalismo moderno sem nos integrarmos às cadeias de produção globais.
Enfim, se eu fosse o Lula e fosse eleito, já mandaria uns três capítulos desses como projeto para o Congresso antes de a plateia da posse acabar de cantar "Lula lá".
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