Mariane Morisawa, Especial para o Estadao
24 de março de 2022 | 05h00
Ascension, documentário de Jessica Kingdon que concorre ao Oscar e está disponível no Paramount+, começa com um mercado de empregos, com salários e benefícios – ar-condicionado, trabalhar sentado – sendo gritados em alto-falantes. Estamos na China, e essas ofertas são para fábricas que produzem, por exemplo, os componentes dos nossos celulares. “Eu estava tentando entender essas duas verdades da ascensão econômica da China, com milhões de pessoas sendo tiradas da pobreza, mas também a exploração, alienação e poluição causadas por isso”, disse Kingdon, americana de origem chinesa, em entrevista ao Estadão, por videoconferência. “Na China, isso acontece de maneira amplificada e rápida, mas, na verdade, ilustra bem o que é o capitalismo.”
A ideia de seu filme, que não procura explicar nada, apenas mostrar, é fazer o restante do mundo se ver ali. “Todos somos cúmplices. Por que a China produz essas coisas baratas? Porque nós queremos comprá-las”, afirmou a diretora, que estreia em longas. Ascension aponta, além da destruição e exploração, o absurdo do sistema. Uma indústria faz árvores de Natal para o Ocidente. Outra produz bonés para a campanha de reeleição de Donald Trump. Mulheres discutem os detalhes das sex dolls que estão fabricando.
Sonho chinês
Mas o filme traz lados menos conhecidos do capitalismo chinês, como uma classe média que frequenta cursos de etiqueta, para melhorar suas perspectivas, ou de mordomo, para servir ao 1% que consome artigos de alto luxo, fora da realidade da maior parte da população – da China ou de qualquer outro país. Há também um sonho chinês. “A diferença que observei em relação ao sonho americano é que, além de ter uma vida confortável em termos materiais, também há a luta para ajudar o país a ser uma superpotência”, afirmou.
No processo de feitura, houve algo inesperado: ela conheceu parentes dos quais não sabia da existência. Sua família fugiu do país durante a revolução em 1949, indo primeiro para Taiwan, depois Japão e terminando nos EUA. Kingdon descobriu que seu bisavô era poeta. E um de seus poemas, de 1912, na queda do último império da China, descreve o pavor existencial ao assistir à invasão do território do alto de uma torre.
A diretora enxergou paralelos com o que acontece hoje: esperamos que o progresso econômico alivie nossas preocupações, mas ele vem com consequências imprevistas. Foi por isso que ela usou o título do poema como nome de seu longa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário