Emerson Vicente
Há décadas o aumento do lixo no mar vem chamando a atenção de entidades do meio ambiente. Segundo estimativas de órgãos internacionais, 80% desse resíduo é procedente da terra, o que deixa claro que a participação de toda a sociedade, com educação e conscientização, é fundamental no combate ao lixo dos oceanos.
Lançado em março de 2019 pelo governo federal, o Plano Nacional de Combate ao Lixo no Mar realizou 400 mutirões e retirou 274,2 toneladas de resíduos do oceano até janeiro deste ano. Em termos de comparação, é como se fossem retiradas 55 vans de dentro da água. O plano conta com a participação do poder público, de organizações da sociedade civil, da iniciativa privada, de instituições de ensino, entre outros.
"Lembrando que, em 2020 e 2021, tivemos um efeito da pandemia, em que muitas praias estiveram fechadas. Em alguns locais as ações foram adiadas até que as condições sanitárias pudessem ser atendidas. Ainda assim é um número expressivo", diz André França, secretário de Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente.
O plano estava sendo elaborado desde 2008, chegou a ser apresentado à ONU (Organização das Nações Unidas) em 2017, mas só entrou em ação em 2019. Cobre os 17 estados costeiros, com aproximadamente 8.500 km de extensão.
O secretário também destaca que ainda é preciso haver um envolvimento maior da sociedade para que as ações possam dar resultados positivos.
"A conscientização das pessoas é mais que necessário. Adotar uma conduta consciente quado vai à praia, não deixar o lixo para trás, levar até onde se possa fazer o descarte adequado, preferencialmente separando o reciclado dos orgânicos, tudo isso contribuiu para que o lixo não chegue ao mar", diz.
As ações da iniciativa do Ministério do Meio Ambiente podem ser acompanhadas por um monitor no site da pasta. Ele aponta os participantes dos mutirões. Um dos mais ativos é o Instituto Limpa Brasil. Na parceria com o governo federal foram 67 mutirões, com 176.565 itens retirados do mar.
"Quando fomos fazer a primeira ação, em 2011, no Rio de Janeiro, fomos proibidos com ameaça de sermos presos. Onze anos se passaram e hoje se vê que existe um engajamento e uma conexão, inclusive do poder público, com as cidades, para que esses mutirões sejam realizados. Existiram vários avanços", diz Edilainne Pereira, diretora executiva do Instituto Limpa Brasil.
Há anos trabalhando no combate ao lixo no mar, Edilainne também ressalta a importância da conscientização do cidadão. "Podem existir os tratados e as políticas públicas, mas se eu não exercer o meu papel de cidadão, essas duas pontas não se movimentam. Se for um cidadão consciente da minha responsabilidade, exercer meu papel, consigo influenciar na mudança das políticas públicas e na política de produção das indústrias."
Para Alexander Turra, professor do Instituto Oceanográfico da USP, o plano lançado pelo Ministério do Meio Ambiente é um pequeno avanço no combate ao problema do lixo no mar, mas muitas ações ainda precisam ser levadas adiante, como as que são voltadas ao saneamento básico, por exemplo.
"É importante destacar que outras questões mais estruturantes, com resultados mais duradouros, não foram necessariamente colocadas em prática. Tem uma lacuna muito grande no processo de discussão nacional dessa temática para conseguir ter ações orquestradas, em sintonia tanto no governo federal quanto nos estaduais e municipais."
O governo de São Paulo também lançou, no ano passado, o seu Plano Estratégico de Monitoramento e Avaliação do Lixo no Mar. Ele foi elaborado em conjunto pela Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente e o Instituto Oceanográfico da USP, financiado pela embaixada da Noruega no Brasil. Está em fase de implementação.
Segundo a secretaria, o plano conta com uma rede de aproximadamente 450 membros entre representantes de ONGs (Organizações Não Governamentais), universidades e do poder público dos três níveis federativos.
Paralelamente às ações promovidas pelos governos federal e estadual, outras iniciativas envolvendo parcerias entre órgãos públicos e a iniciativa privada buscam minimizar os impactos causados pelo acúmulo de lixo no mar.
A Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, em parceria com a Fundação Araucária de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Paraná (órgão ligado ao governo estadual), vai destinar R$ 3,7 milhões em apoio financeiro para 19 soluções inovadoras para desafios do oceano e regiões costeiras do Brasil.
Entre essas soluções está o projeto Igaú, iniciativa da Universidade Federal de Santa Catarina. O objetivo do projeto é ajudar as comunidades costeiras a reduzirem a poluição marinha pelo cultivo de algas.
"Quando a gente está produzindo alga, está produzindo biomassa. Essa biomassa, com baixa tecnologia, pode produzir sabonetes, shampoo, fertilizantes. Mas se tiver o envolvimento do Estado, de empresas, ou de parcerias público-privadas, pode chegar de médio a longo prazo ao desenvolvimento de refinarias locais, gerando emprego de muita qualidade e produzindo coisas que são estratégicas para o Brasil", diz Paulo Antunes Horta Junior, professor do Departamento de Botânica da UFSC.
"Estamos agora em uma crise de fertilizantes. As algas estão produzindo fertilizantes a todo momento e resolvendo problemas ambientais. Estamos com essa joia nas mãos há décadas e não utilizamos."
Outro programa apoiado pela parceria é o Nós da Ação, de responsabilidade técnica da Unifesp com o Instituto Ecosurf, em Bertioga e no Guarujá, na Baixada Santista, em SP. O objetivo principal do programa é trabalhar junto com os pescadores para que eles informem sobre os problemas que enfrentam no mar.
"Eles saem para pescar e voltam para a terra com mais lixo do que camarão", diz Leandra Gonçalves, professora no Instituto do Mar na Unifesp e coordenadora do projeto. "Esse lixo hoje atrapalha o serviço do pescador. Mas, se tem a possibilidade de trazer esse lixo, deve aproveitar para fazer a economia circular."
A Universidade Federal do Rio de Janeiro está entre as 19 ações da Fundação Boticário com um programa que também envolve pescadores. O Orla Sem Lixo visa formular modelo de trabalho e renda para a comunidade.
"Na baía de Guanabara são cerca de 700 pescadores. Se a gente consegue formular um modelo adequado de geração de trabalho e renda, para que seja atraente e interessante, pode se multiplicar facilmente. Queremos contribuir com uma solução que possa ser efetiva", diz a doutora em engenharia oceânica Susana Vinzon, professora da UFRJ e coordenadora do projeto.
No dia 2 de março, a ONU decidiu iniciar as negociações para o primeiro acordo global contra a poluição plástica. Um comitê estará encarregado de preparar um texto até 2024. Segundo especialistas, este é o maior avanço ambiental desde o acordo de Paris para combater o aquecimento global, celebrado em 2015.
"A resolução da assembleia das Nações Unidas vem no sentido de criar um tratado para combater a presença de plástico no ambiente. Isso significa repensar uma cadeia produtiva, de valor, mas também outros aspectos que são preponderantes na perda de plástico para o meio ambiente", diz Alexander Turra.
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