A única coisa que a Constituição de 1988 proíbe duas vezes é a censura, banida de nosso ordenamento jurídico tanto no artigo 5º, IX como no artigo 220. Com muito boa vontade, dá para discutir se um representante do Poder Judiciário, isto é, um magistrado, pode, em nome da preservação de outros direitos fundamentais, proscrever uma obra artística. Eu entendo que não, mas reconheço que esse é um ponto em que o debate é legítimo.
De líquido e certo, temos que o constituinte de 1988 tirou do Executivo o poder de censurar as artes, concedendo-lhe apenas a mui mais modesta missão de promover a classificação etária de filmes e espetáculos, que, nunca é demais ressaltar, tem caráter meramente indicativo. Ou seja, se os pais discordarem da avaliação dos burocratas do governo, são constitucionalmente livres para ignorá-la. A classificação indicativa até tem um impacto na TV aberta, já que há faixas de horário em que títulos considerados impróprios para certas idades não podem ser exibidos, mas é irrelevante no streaming, onde todos os filmes estão à disposição o tempo inteiro.
Se até eu, que nem diploma de direito tenho, sei dessas coisas, o ministro da Justiça deveria, "ex fortiori", saber mais. Anderson Torres, porém, ou sabe menos, o que já seria grave, ou escolheu faltar com as obrigações que seu cargo lhe impõe para bajular o chefe, o que é ainda mais grave. A determinação que o ministro deu para que o filme "Como se Tornar o Pior Aluno da Escola" fosse excluído das plataformas é um tipo ideal daquilo que os juristas chamam de ordem manifestamente ilegal.
Num país decente, Torres já teria perdido o cargo e estaria respondendo a processo por abuso de autoridade. Num país um pouco menos indecente, teria sido convocado para explicar-se no Congresso.
Mas estamos no Brasil. É bem possível que ele venha a ser indicado para uma cadeira no STF, se Bolsonaro for reeleito.
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