Ataques simultâneos a Luiz Inácio Lula da Silva e a Jair Bolsonaro, flerte com partidos ao centro em busca de alianças, queixas sobre a hegemonia do PT na esquerda, defesa insistente de um programa para retomada do desenvolvimento econômico.
Alguns aspectos não mudaram na comparação entre a campanha do ex-ministro Ciro Gomes (PDT) à Presidência em 2018, que o levou ao terceiro lugar (12,4% dos votos válidos), e a de agora, sua quarta tentativa de chegar ao Palácio do Planalto —que ele já declarou ser a última.
O quadro geral, no entanto, soa mais pedregoso neste ano, por razões que vão da pista mais estreita para coligações até a presença de Lula (PT) no páreo, somadas ao quadro de polarização do ex-presidente com Bolsonaro (PL) e aos desgastes acumulados pelo pedetista.
O ex-ministro, que divide a terceira colocação nas sondagens com o ex-juiz Sergio Moro (Podemos), em patamar próximo dos 10% na pesquisa Datafolha de dezembro, considerava ter uma situação mais promissora quatro anos atrás, a uma altura semelhante da corrida eleitoral.
Como a candidatura de Lula àquela época já enfrentava o risco de ser impedida em função de sua condenação na Operação Lava Jato —o que acabou acontecendo—, o membro do PDT trabalhava para balançar o protagonismo petista e ser um nome de união da esquerda.
Ele também dialogava com partidos de centro e até do centrão, o bloco de legendas conhecido pelos apoios de ocasião, que depois fecharia a adesão em peso ao então presidenciável do PSDB, Geraldo Alckmin —hoje no PSB para ser vice na chapa do PT.
A parceria em que Ciro mais apostava na pré-campanha de 2018 era com o PSB. Na pesquisa Datafolha de abril daquele ano, com Lula recém-preso, o candidato do PDT alcançou 9% no cenário sem o petista, atingindo a segunda colocação, empatado com Alckmin e o ex-ministro Joaquim Barbosa.
Uma combinação de acontecimentos acabou, entretanto, contribuindo para o isolamento do ex-ministro. Ele foi às urnas tendo como vice a senadora Kátia Abreu, à época no PDT, e coligado apenas com o inexpressivo Avante.
Partidos à direita que abriram conversas para eventual apoio a Ciro na época —como DEM, PP, PR e PRB— embarcaram em julho na campanha de Alckmin, garantindo ao então tucano 44% do tempo da propaganda eleitoral no rádio e na TV.
A expectativa de atrair para sua órbita forças da esquerda —como PC do B e PSOL— acabou frustrada pela disposição das siglas de caminharem com o PT, mesmo com a previsível substituição de Lula por Fernando Haddad, caracterizada por Ciro como uma fraude perante o eleitorado.
Antes, interlocutores dos dois lados até cogitaram uma aliança PT-PDT, que não avançou. Ciro chegou a falar que uma chapa formada por ele e Haddad seria um "dream team" (time dos sonhos).
O capítulo crucial daquela campanha do ex-ministro sobreveio em agosto e culminou no rompimento definitivo com o PT. Foi a operação coordenada por Lula de dentro do cárcere que envolveu acordos em Pernambuco e Minas Gerais sob a condição de que o PSB ficasse neutro no pleito nacional.
Ciro tinha naquele mês, conforme o Datafolha, 5% no cenário com Lula, o que lhe dava a quinta colocação, e 10% se o adversário fosse Haddad, o que o levava para o terceiro lugar, posição que acabou, quando fechadas as urnas, ocupando.
Contrariado com o arranjo para afastar o PSB de sua campanha, ele se esquivou do palanque do PT no segundo turno contra Bolsonaro.
"Eu não fui para Paris para não votar. Eu voltei e votei no Haddad", disse o pedetista em fevereiro deste ano, durante evento do banco BTG Pactual em São Paulo. "Agora, eu nunca mais farei campanha para bandido nesse país nem que o pau tore. É por isso que eu tenho que estar no segundo turno."
No encontro, ele ressaltou ter sido contemporâneo em sua trajetória política "de alguns fenômenos" e citou o tucano Fernando Henrique Cardoso e Lula ("O fenômeno da temporada quando eu amadureci para a vida pública nacional").
"Em 2018, o Lula resolveu trabalhar para me isolar. [...] Conspirou para que o Haddad, que tinha acabado de perder as eleições em São Paulo [para prefeito] fosse o candidato a presidente da República numa eleição cuja força dominante era o antipetismo", remoeu.
Antes da reabilitação eleitoral do ex-presidente, pela anulação das condenações na Lava Jato, a avaliação era a de que o pedetista encontraria em 2022 um cenário mais favorável.
O horizonte dele exclui por ora coligação nacional com partidos relevantes. O restante da esquerda (PSB inclusive) está com o favorito Lula. E a direita e o centrão se dividem entre Bolsonaro e a fabricação da chamada terceira via, hoje coalhada de nomes com baixa densidade.
Se superar obstáculos em série, Ciro deverá ter parcerias no plano local, em acordos estaduais que poderão reunir siglas como PSD, União Brasil e até o PT, caso do Ceará. A possibilidade de haver palanques duplos é admitida pelo presidente nacional do PDT, Carlos Lupi.
"Ninguém vai decidir [aliança] agora. Hoje o que está em discussão é o prazo para filiações", diz o dirigente, minimizando os empecilhos.
Em Minas Gerais, por exemplo, PDT e PT competem pelo apoio do prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD), pré-candidato ao governo.
"Estou muito otimista, muita coisa pode acontecer", segue Lupi, destacando o que chama de resistência de Ciro. "Já lançaram Luciano Huck, Moro e tantos outros. Uns desistiram, outros não foram adiante, e Ciro resiste. A gente está na dificuldade desde que nasceu, tem couro grosso."
O deputado federal Túlio Gadêlha (PE), que acaba de trocar o PDT pela Rede Sustentabilidade, afirma que parte da trajetória eleitoral de Ciro pode ser explicada pelo azar de "ter nascido na mesma época do Lula", um líder que por vezes usa "a expectativa de vitória" para desarticular alianças de rivais.
Gadêlha acha que o ex-ministro deveria recuar e se unir à frente ampla do petista, já que o ex-presidente é quem tem maior chance de derrotar Bolsonaro.
"Em 2018, eu achava que o PT deveria marchar com o Ciro na cabeça de chapa, por ser a única forma de vencer Bolsonaro. Era o que as pesquisas mostravam. O PT foi negacionista naquela época, porque negou a ciência política e manteve a candidatura de Haddad", avalia.
Apesar das discordâncias atuais com o pedetista, Gadêlha diz que "ele tem muita solidez no seu programa e está cumprindo um papel importante de debater o país, sobretudo na economia". Mantém, no entanto, o diagnóstico de que "a situação hoje é mais adversa para o Ciro" do que quatro anos atrás.
A opinião é a mesma de um porta-voz do PSOL que acompanhou as tratativas em 2018. Ele diz, sob a condição de anonimato, que parte dos votos da esquerda conquistados pelo pedetista migrou automaticamente para Lula neste ano e, ao mesmo tempo, ele não penetra na direita.
Para o cientista político Cláudio Couto, professor da Fundação Getulio Vargas em São Paulo, Ciro se move para um resultado pior neste ano e poderia estar em posição mais vantajosa se o postulante do PT não fosse o ex-presidente, "muito forte eleitoralmente".
Couto deu entrevistas na eleição passada falando que o caminho "lógico, racional e pragmático" para o PT depois do impedimento legal da candidatura de Lula era apoiar o ex-ministro, por pertencer ao mesmo campo político e ter a seu lado um partido estruturado.
"Com o perigo que seria eleger Bolsonaro, eu defendia que as lideranças tinham que entender aquele momento e buscar certas alianças. E é preciso lembrar que naquela época o Ciro estava menos agressivo do que agora [em relação ao PT]", diz.
O professor afirma que a perda do PSB foi um baque para a campanha do PDT, mas não a ponto de ser determinante. "É do jogo construir alianças e interferir em alianças de adversários", comenta, sobre o PT. "O que ficou de marcante desse episódio foi o ressentimento que isso gerou no Ciro."
Entre diferenças e semelhanças, Couto observa que permaneceram de lá para cá duas características do presidenciável: competência técnica e coerência de ideias.
"Ele pode ter um monte de defeitos, mas é uma liderança que realmente conhece e estuda os assuntos. Às vezes até assume um tom muito professoral, que pode não ser positivo para ele. Além disso, é coerente com suas ideias e seu projeto desenvolvimentista."
O espaço restrito para movimentações partidárias, na ótica de Couto, "tem a ver, em parte, com seu temperamento, prejudicial para negociações. Talvez por isso ele nunca tenha tido um desempenho particularmente notável nas disputas nacionais [11% em 1998, 12% em 2002 e 12,4% em 2018]".
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