Daniel Martins de Barros, O Estado de S.Paulo
12 de março de 2022 | 03h00
As recomendações dietéticas mudam de tempos em tempos – durante algumas décadas, o ovo foi considerado um vilão; depois, apenas a gema era ruim, até que o ovo todo foi redimido e hoje figura entre os mocinhos da dieta. Eles pegaram carona na esteira da gordura, que de assassina passou a ser a maior aliada na luta contra os carboidratos – antigos aliados e hoje banidos para a turma do mal.
Diante de tantas mudanças, que no fundo apenas refletem a evolução do conhecimento, profissionais razoáveis costumam dizer que não há alimentos terminantemente proibidos, mas que é preciso consciência no comer. Pensar no que se está ingerindo. Refletir sobre a alimentação. Prestar atenção nos sinais do corpo à medida que comemos. E, assim, exercitar a moderação e o bom senso.
Temos dado cada vez mais importância à forma como alimentamos nosso corpo, mas negligenciamos bastante a forma como alimentamos nossa mente. Nossa alma, se preferir. Deveríamos prestar mais atenção aos conteúdos que consumimos, pois, da mesma forma que os nutrientes são a matéria-prima que constitui nosso corpo, as ideias, opiniões, raciocínios, notícias, são a matéria-prima com que construímos nossa mente.
Comecei a fazer essa reflexão no início da pandemia, e agora a guerra na Ucrânia me forçou a voltar a ela. Quem não se lembra da ansiedade e da angústia com que acompanhávamos o noticiário e as redes sociais nos piores momentos da pandemia, seguindo o placar de contaminados, internados, mortos?
Claro que era importante acompanhar o que estava acontecendo, mas já estávamos de máscara, já estávamos isolados, afastados, banhados em álcool em gel; esse contínuo monitoramento só servia para informar o nosso cérebro que o cerco estava se fechando sobre nós, tornando-nos mais ansiosos, não mais protegidos. Percebi que precisávamos cuidar da dieta mental.
O mesmo se dá agora com a guerra. Não advogo que nos tornemos alienados; é importante que o mundo olhe de frente as consequências trágicas das decisões políticas que são tomadas.
Mas, uma vez informados, não é preciso que fiquemos mergulhados nos horrores da guerra. Expor-se muito intensa e continuamente a uma realidade devastada, ainda que longe fisicamente, pode transmitir ao nosso cérebro a mensagem de que nós também estamos em risco. Ficaremos mais ansiosos, mas não mais bem informados.
Assim como acontece com os alimentos, não há informações proibidas. Mas da mesma forma que devemos fazer com as comidas, que prestemos mais atenção nas quantidades, na velocidade e na qualidade do conteúdo que consumimos.
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