BRASÍLIA -A concessionária Norte Energia, dona da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, enviou um pedido ao governo do Estado, para que seja reavaliado o projeto de mineração de ouro da companhia canadense Belo Sun, que pretende transformar uma região localizada a poucos quilômetros da barragem da hidrelétrica no maior garimpo industrial do Brasil.
O Estadão teve acesso a um ofício que a Norte Energia enviou na semana passada à Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas), órgão do governo paraense responsável por licenciamento ambiental no Estado. No documento, que também foi encaminhado ao Ibama e Funai, a dona de Belo Monte alerta que estudos já realizados “apontam conflito entre as atividades e risco de implantação de atividade minerária em conjunto com a operação da UHE (usina hidrelétrica) Belo Monte”.
Apesar de haver uma série de “efeitos cumulativos e sinérgicos entre os projetos de mineração e hidrelétrico”, o processo de licenciamento do “Projeto Volta Grande”, da canadense Belo Sun, é tocado pela secretaria estadual de meio ambiente, enquanto a hidrelétrica de Belo Monte foi licenciada pelo Ibama.
Há anos, o Ministério Público Federal em Altamira questiona o rito de licenciamento. A própria Norte Energia alertou, em 2013, que tinha preocupação com eventuais impactos que a mineração possa gerar em sua estrutura. O processo de extração de ouro previsto para a região inclui o uso constante de explosivos, durante anos de atividades. A Belo Sun já negou que haja riscos de abalos sísmicos, mas a realidade é que, nove anos depois, a questão não está resolvida.
“Solicita-se, desde já, a reavaliação do processo de licenciamento ambiental de Belo Sun, a fim de que o tema em questão possa ser objeto de análise técnica detalhada e de imprescindível interlocução entre os interessados”, afirma a Norte Energia, em ofício que foi encaminhado dia 14.
Procurada pela reportagem, a Norte Energia não se manifestou sobre o assunto, mas o fato é que a empresa que opera a maior hidrelétrica do País nunca viu o empreendimento vizinho com bons olhos. Ainda assim, a Semas do Pará liberou, em 2014, a licença prévia do projeto de mineração nas margens do Rio Xingu, uma autorização que atestaria a sua viabilidade ambiental, desde que cumpridas determinadas exigências. Em 2017, a secretaria emitiu a licença de instalação para o Projeto Volta Grande, permitindo a montagem da infraestrutura para a exploração efetiva do ouro, mas uma decisão judicial suspendeu seus efeitos.
Na emissão das duas licenças, foi exigido que a Belo Sun apresentasse documentos e estudos sobre os impactos do projeto na área da usina. Para a Norte Energia, porém, o tema segue em aberto e não há conclusão sobre a viabilidade da mina. Em 2020, foi a vez da Funai se manifestar sobre o assunto e informar que a Belo Sun ainda não tinha apresentado estudos detalhados sobre os impactos associados à usina e mineração.
“No processo de licenciamento da usina de Belo Monte, já há uma exigência de se fazer o monitoramento constante e por seis anos nos cem quilômetros da Volta Grande, devido ao forte impacto dos hidrogramas que passaram a ser aplicado no rio”, Rodrigo Oliveira, pesquisador do Instituto Socioambiental (ISA). “É uma região de extrema vulnerabilidade e que foi profundamente afetada pela hidrelétrica. Por isso, é muito temerário fazer qualquer outro tipo de projeto na área, principalmente nesta fase de monitoramento.”
Questionada sobre o assunto, a Belo Sun Mineração declarou que desconhece o conteúdo do ofício da Norte Energia. A mineradora afirmou que, “nos últimos três anos, manteve um diálogo técnico com a Norte Energia e compartilhou informações atualizadas sobre o licenciamento do Projeto Volta Grande, seja por solicitação da Norte Energia e por iniciativa própria”.
A empresa informou que as atualizações dos projetos técnicos e sociais são submetidas regularmente ao órgão licenciador, que concluiu a consulta e o Estudo de Componente Indígena com as comunidades locais e que “continuará a promover o Projeto Volta Grande de maneira consciente, dialogando com as partes interessadas, seguindo todas as leis e regulamentos aplicáveis e respeitando as comunidades tradicionais e locais”.
A Semas declarou, por meio de nota, que o processo de licenciamento ambiental de Belo Sun está suspenso por decisão judicial, desde 2017. “A Semas informa, ainda, que a reavaliação de processos faz parte da rotina administrativa da Secretaria.”
O procurador regional da República, Felício Pontes, disse que a Norte Energia reconhece agora aquilo que ribeirinhos e indígenas têm alertado há uma década. “A concessionária confirma aquilo que tem sido dito há muito tempo. A região mal consegue lidar com a estrutura da usina e seus impactos. Dois projetos de grande dimensão naquela região é algo simplesmente insuportável para os milhares de indígenas e ribeirinhos que vivem na Volta Grande do Xingu.”
Reportagem publicada pelo Estadão em dezembro do ano passado revelou que a mineradora canadense Belo Sun fez aquisições de uma série de lotes da reforma agrária na região, em transações irregulares. Pelo menos 21 lotes de famílias assentadas foram negociados diretamente pela empresa e os moradores. O Estadão teve acesso a contratos nos quais a empresa desembolsa valores de até R$ 1 milhão e registra os atos em cartório. Neles, a Belo Sun estabelece, por exemplo, que os assentados transferem a posse da terra para a mineradora, livre de qualquer tipo de embaraço.
Para viabilizar as transações, o Incra estabeleceu que será um tipo de “sócio” da mineração e que vai receber parte do que a empresa retirar de ouro. Somente depois desses detalhes serem revelados, o Incra publicou uma instrução normativa, para permitir esse tipo de parceria em todo o Brasil.
Nova Serra Pelada
A Belo Sun pertence ao grupo canadense Forbes & Manhattan, um banco de investimento voltado a projetos internacionais de mineração. O projeto prevê um investimento total de R$1,22 bilhão. A produção média de ouro calculada pela empresa é de aproximadamente 5 toneladas de ouro por ano. A extração ocorreria por, no mínimo, 12 anos, “com a possibilidade de se estender o prazo, devido ao potencial mineral da região”, conforme afirma a companhia.
São números que fazem frente ao que ocorreu nos anos 1980 na Serra Pelada, no sul do Pará, onde 42 toneladas de ouro foram extraídas em uma década, segundo registros oficiais. No auge daquele garimpo, em 1983, 14 toneladas de ouro foram retiradas do local só naquele ano.
Na fase de instalação do empreendimento da Belo Sun, a empresa calcula que serão gerados 2.100 empregos diretos e outros 6.300 indiretos. Na operação, seriam mais 526 diretos e 1.500 indiretos.
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