As cenas de horror em Manaus camuflam um enigma que deveria preocupar a todos. A cidade já havia sido uma das mais atingidas na primeira onda. Um trabalho publicado na Science em dezembro estimara, a partir da prevalência de anticorpos entre doadores de sangue, que até outubro 76% da população local já haviam sido infectados pelo Sars-CoV-2, um limiar que, se não assegurava a tal da imunidade coletiva, estaria bem perto de fazê-lo.
Isso não impediu os manauaras de enfrentar uma segunda onda tão ou mais avassaladora do que a primeira. Surgem aqui várias hipóteses, nenhuma tranquilizadora.
Uma possibilidade é que infecções assintomáticas ou muito brandas não bastem para conferir imunidade ou, pelo menos, não uma imunidade muito duradoura. Isso quase certamente é parte da resposta. Seria interessante tentar descobrir, numa amostra populacional estratificada, quantos receberam um segundo diagnóstico de Covid-19.
Espera-se que as vacinas proporcionem uma imunidade mais longa do que a infecção natural, mas isso ainda está por ser provado em experimentos de mundo real.
A mais aterradora das hipóteses é a de que a principal explicação para a segunda onda esteja nas mutações que o vírus sofreu em Manaus e que o tornariam mais infeccioso. Mesmo que a variante não seja em si mais letal, mais doentes acorrendo a hospitais superlotados já significam mais mortes, e não só por Covid-19.
Ainda mais inquietante, há indícios de que as vacinas, embora funcionem contra novas variantes do Sars-CoV-2 semelhantes à manauara, têm sua eficácia reduzida. A perspectiva aqui é a de que tenhamos de estar sempre produzindo novos imunizantes para acompanhar a evolução do vírus, mais ou menos como fazemos com a gripe.
E, para agravar um pouco mais as coisas, quanto mais tempo o mundo levar para reduzir a circulação do vírus, maiores são as chances de ele sofrer mutações. Darwin é implacável.
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