Não tem erro. Basta adentrar o corredor de autoajuda de uma livraria qualquer para se ver cercado por uma infinidade de obras com imagens inspiradoras e títulos que não passam de meras variações da frase “não desista dos seus sonhos”. O fato é que desde pequenos somos bombardeados com ensinamentos como esse, além de conselhos sobre persistir sempre e acreditar naquilo que desejamos. Guardadas as devidas proporções, é como se pegar assistindo uma propaganda eterna sobre aquelas pessoas que deixaram para trás um emprego seguro e hoje ganham a vida viajando o mundo.
O que falta ainda, no entanto, são mais lições sobre como agir quando o sonho não engrena. Ou quando aquela ideia gestada durante anos na sua cabeça simplesmente não alcança tanto sucesso no mundo real quanto você imaginava. Nessas horas, o que fazer? Como reagir?
A psicóloga Renata Livramento explica que aceitar nossas falhas e fracassos é sempre difícil porque a cultura contemporânea prioriza a produtividade e tende a confundir resultados práticos com valor individual.
“Até crianças pequenas têm uma agenda a cumprir, resultados a entregar. Quanto mais entendemos que nosso valor como seres humanos está ligado a nossas entregas, mais tememos o fracasso”, diz Renata, que também é fundadora do Instituto Brasileiro de Psicologia Positiva.
O fato de que vamos errar, no entanto, é uma certeza tão humana quanto a de estarmos sempre tentando acertar. É natural da vida, um estágio importantíssimo para nosso aprendizado, explica a psicóloga. Mas nem todo mundo enxerga dessa forma.
“Quando temos um projeto ao qual nos dedicamos e que acaba não dando certo, em vez de entender que é uma oportunidade de aprender, a tendência é acreditar que não servimos para isso”
No apagar das velas
Católico e desenvolvedor de softwares, Fábio Feitoza, 37, viu como natural se lançar no ramo da fabricação de velas, no qual entrou ao lado da esposa lá em 2015. Operando na cidade de Embu-Guaçu, no interior de São Paulo, sua empresa Velas Esperança vendia produtos primariamente para igrejas, mas também não deixava de lado funerárias, buffets e produtoras de eventos.
Com a pandemia e o fechamento de boa parte das atividades coletivas, porém, ele viu praticamente todas as demandas de clientes minguarem. “Já não tínhamos mais nenhuma forma de fazer negócio. Precisei liberar todos os funcionários e vender meu carro. Em abril, fechamos as portas”, conta Fábio.
Na época, o próprio mercado era desolador. Em pouco tempo, o empreendedor conta que desanimou com a situação, perdeu a vontade de trabalhar e nem sequer pensava em reabrir a empresa no futuro. Por isso, foi atrás de vendê-la. Só que, além de fechar o empreendimento que manteve por cinco anos, a pandemia também varreu a concorrência, quase toda em situação semelhante à sua. “O setor de velas é muito restrito e acabou que eu não tinha mais nem para quem vender a fábrica.”
Segundo a psicóloga Renata, na hora do aperto não se deve lançar um olhar punitivo para ninguém, nem para si mesmo. Mas um momento de autoanálise, de lamentação pelo que foi perdido é natural sim. Só não pode durar tempo de mais. “Nenhum bebê sai andando no primeiro momento. A única forma de ele aprender é caindo. Por que isso tem que mudar quando se trata de um negócio ou um objetivo de vida?”
Então por que não encarar os erros e problemas como se fossem uma espécie de tentativa piloto? E o melhor, afirma a psicóloga, uma que foi conduzida na prática de mercado, de acordo com os indicadores da vida real. Portanto, uma vez superado o sofrimento necessário, é hora de separar o joio do trigo, tentar entender o que deu certo e o que não deu e buscar novas soluções para aprimorar os resultados em uma próxima investida.
Será hora de mudar?
Uma das primeiras coisas a avaliar é se, ao retomar ou lançar um novo projeto, o melhor é mesmo continuar no mesmo ramo de atuação. Como já cantaram os Rolling Stones, você nem sempre vai ter o que quer. Por exemplo: não é porque ouviu dizer que pode ser bom negócio vender coxinhas na Praça da Sé, em São Paulo, que, caso monte uma lojinha de salgados na região, ela necessariamente vai ser bem-sucedida.
O ideal, como aponta o consultor de negócios do Sebrae Ruy Barros, é saber equilibrar as oportunidades apresentadas pelo mercado com suas próprias habilidades e interesses. Portanto, se você não gosta ou não sabe nada sobre cozinha e nem tem interesse em aprender maneiras de oferecer coxinhas de qualidade a um preço justo, suas chances de sucesso vão ser bem reduzidas, não importa o quão alta seja a demanda pela iguaria recheada de frango.
O ideal é saber equilibrar as oportunidades apresentadas pelo mercado com suas próprias habilidades e interesses
Tomar mais precauções é outro fator que precisa ser levado em conta ao se lançar em uma nova empreitada. Segundo o consultor, alguns dos problemas mais recorrentes são a falta de recursos ou de um planejamento eficiente, que podem levar alguns empreendimentos a ter vida bastante curta — uma a cada cinco empresas fecha as portas em menos de um ano no Brasil, segundo dados do IBGE. Mas mesmo eventos que escapam totalmente do controle do empreendedor, como a pandemia, podem ter seus efeitos amenizados com organização, algumas precauções e respostas rápidas, todos aspectos que podem e devem ser implantados em projetos futuros.
“A pandemia veio sem manual de instruções, mas todos tivemos que nos adaptar”, declara Ruy. “Planejar o caminho é a melhor forma de se esquivar desse tipo de decepção. Então é essencial evitar os gastos e excessos, ter sempre uma reserva de capital para se preparar para o pior. Além disso, muitos estabelecimentos como restaurantes não adaptaram seu modelo de negócios, não mudaram seu cardápio nem aderiram ao delivery e acabaram quebrando, pois penaram durante meses sem nenhum tipo de receita.”
E vamos à luta
Cultivar uma mentalidade baseada em confiança e na crença em si mesmo é o mais importante para ser uma pessoa mais resiliente, daquelas que não se deixam abalar por qualquer fracasso, afirma o psicólogo Yuri Busin. Isso não significa, porém, que, ao iniciar outro projeto, ela deve continuar no mesmo caminho que trilhou anteriormente.
“Não adianta apertar continuamente a tecla T do computador esperando que uma hora saia um F. A pessoa deve ser como um foguete que viaja da Terra à Lua. Até lá, ele não segue uma trajetória reta, é preciso ir ajustando as coordenadas. Elas são como as nossas metas, que precisam ir se alterando até chegar no nosso objetivo maior.”
A forma de reagir a um fracasso depende muito da personalidade da pessoa, da forma como foi criada e da cultura em que vive
Para se preparar para uma nova empreitada, o psicólogo sugere investir num pensamento mais positivo — mas que não deixe de levar consigo uma ponta de pessimismo —, na busca por mais informações e até pela ajuda de um psicólogo ou mentor, uma pessoa mais experiente que possa auxiliar na caminhada.
Apesar do momento complexo que vivemos, alguém que consiga calcular bem os riscos e oportunidades e estruturar seu projeto de acordo com essa análise pode até colher frutos bem mais graúdos no futuro, afirma Yuri.
A psicóloga Renata Livramento admite que a pandemia e o cenário caótico da economia tornam ainda mais árdua a tarefa de readquirir confiança e sair novamente à luta. Mas ressalta que, diante do caos, há dois tipos de pessoas: aquelas que conseguem usar as dificuldades como estímulo para a inovação e criatividade e as que ficam paralisadas pelo medo.
“A forma de reagir a um fracasso depende muito da personalidade da pessoa, da forma como foi criada e da cultura em que vive. Saber dar a volta por cima depende de desenvolver um mindset de flexibilidade. Pessoas que entendem que nada é permanente e ninguém consegue resolver tudo sozinho conseguem lidar melhor com os erros.”
Uma nova luz
A maioria dos empreendedores tende a relaxar e dar um basta nas inovações assim que o negócio se estabelece, lembra Ruy, do Sebrae. Esse seria um dos motivos para a estagnação e o consequente declínio. “Criatividade e inovação têm que ser inerentes. Talvez, antes da pandemia, os empreendedores não estivessem tão abertos a oportunidades quanto agora.”
Segundo ele, a melhor forma de superar um negócio que não deu certo é olhar para dentro de si e buscar seus talentos.
No que posso trabalhar? É preciso instigar a curiosidade e a flexibilidade, arriscar, tentar fazer coisas diferentes todos os dias
O chamado de Fábio a retornar à ativa veio num jantar com dois amigos de longa data. Chocados ao saber que ele pretendia vender a fábrica, sugeriram recauchutar o modelo de funcionamento em vez de desistir de tudo. A chave da mudança foi diversificar. “Repensamos nossa forma de atuação. Já que vendíamos para igrejas, com mais de 200 paróquias como clientes ativos, por que não comercializar outros insumos?”
Assim, reaberta em agosto, a Velas Esperança virou Hominis Deus. Junto com os dois amigos, que se tornaram sócios da empresa, Fábio logo partiu para negociar com fornecedores. Além das velas que continuaram fabricando, eles passaram a vender terços, joias, hóstias, objetos litúrgicos, crucifixos, imagens sacras, entre várias outras coisas. Também lançaram uma loja virtual, que hoje vende os produtos para todo o Brasil.
Enquanto antes o faturamento por vezes patinava, a maior variedade trouxe também regularidade e uma receita constante. “Se formos comparar o volume de vendas, praticamente dobrou em relação ao mesmo período do ano passado. Graças ao novo leque de produtos que passamos a oferecer, os clientes deixaram de nos procurar só uma vez a cada três meses para buscar nossos produtos com frequência.”
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