Um empreendimento pode ser tanto uma empresa quanto um edifício. Um plano pode ser tanto uma representação horizontal de uma construção quanto um projeto elaborado que comporta uma série de operações, nos conta o dicionário Houaiss. As palavras em comum indicam que há pontos de contato entre a arquitetura, a engenharia, o design e o mundo dos negócios.
Um projeto nada mais é do que uma possibilidade de futuro
Mas esses ramos de atuação compartilham mais do que palavras: lidam com clientes, orçamentos, cronogramas, etapas e partem do planejamento e dos projetos. “Um projeto nada mais é do que uma possibilidade de futuro”, resume Julio Cesar de Freitas, professor do curso de design da Fundação Armando Alvares Penteado (Faap). Até que essa possibilidade se transforme em realidade – seja uma casa, um edifício ou uma empresa –, há um longo caminho a ser percorrido.
A partir da constatação de que os ramos ligados a projetos são especializados em construir, nos perguntamos: eles têm algo a ensinar para quem deseja abrir um negócio e construir uma empresa do zero? Para tentar responder a essa questão, entrevistamos uma arquiteta, um designer, um economista e psicanalista, um consultor de negócios e um headhunter.
Tenha um propósito – Um projeto para começar um novo negócio pode partir tanto de uma necessidade quanto de um desejo, mas precisa ter um propósito para se manter de pé – o propósito poderia se comparado às fundações de uma construção. O economista e psicanalista Fabiano Calil considera que é importante pensar, ao começar um projeto, o que se deseja e o que o negócio vai gerar para si e para os outros.
A ausência de um propósito conectado com os anseios e gostos acaba prejudicando o próprio empreendedor. “Quando se foca apenas no resultado final, é difícil manter a energia e o investimento, especialmente se o negócio demorar a maturar. Com a demora, vem a ansiedade e o vazio da ausência do propósito, e fica difícil ter paciência porque, na verdade, talvez não se goste muito do que se está fazendo”, afirma.
Calil relata que tem visto muitos jovens criando startups com o objetivo de vendê-las rapidamente, e pergunta a eles: “Se você tem paixão pelo que faz, por que quer desinvestir? Se você valoriza o seu dia a dia, por que quer se aposentar antes dos quarenta?”.
Olhando com o olhar do design – Quando a maioria das pessoas pensa em design, geralmente pensa em projetos de ambientes, máquinas e utensílios. Mas uma das aplicações mais comuns dessa área de conhecimento é a de desenho de processos. “É a excelência dos processos que irá manter os negócios em pé. Uma startup pode criar um negócio útil e relevante, mas não se sustenta se não tiver bons processos”, afirma Freitas, da Faap.
Ele considera que o olhar do design tem muito a colaborar para o mundo dos negócios porque traz uma compreensão contextualizada do ser humano, ou seja, está atento à sua essência, mas também ao seu tempo: “Hoje em dia, as pessoas estão dispostas a gastar dez mil reais em um iphone, mas também acham importante ter um vaso de erva-doce em casa”, exemplifica.
A aplicação da abordagem do design ao desenho de negócios já se tornou relativamente comum, desde que o design thinking entrou em voga, a partir de 2010, com a publicação de “Design thinking – uma metodologia poderosa para decretar o fim das ideias velhas”, de Tim Brown. Esse modelo mental visa à solução de problemas complexos.
Mais recentemente, passaram a ser usadas também as chamadas metodologias ágeis para acelerar a elaboração e implantação de projetos, tais como o Scrum, o aplicativo Trello (baseado na metodologia Kanban) e o Google Design Sprint. Este último promete, em apenas cinco dias, testar se uma ideia é viável ou não. “São metodologias que dão velocidade ao desenvolvimento do produto ou serviço, mas que não garantem que o produto estará inteiramente implementado”, considera Freitas.
Planeje bem – Um dos aspectos mais importantes para quem quer empreender é a estruturação de um plano de negócios, que consiste num estudo detalhado que aborda as etapas de implementação, os investimentos, as projeções de venda e de faturamento, a estrutura necessária, o plano de marketing, as estratégias. “O plano mostra se o negócio será rentável ou não. Não dispor de um plano de negócios detalhado é o grande erro dos empreendedores iniciantes”, afirma Davi Jeronimo, consultor de negócios do Sebrae.
Vá por etapas e tenha paciência – “Não é possível colocar o papel de parede antes de ter a parede pronta”, diz Mendes. O exemplo pode parecer muito básico, mas vale para todas as atividades que envolvem construção, tanto no sentido literal quanto no abstrato. A arquiteta conta que pensa aonde quer chegar e age por etapas até alcançar os objetivos.
A rapidez proporcionada pelas novas tecnologias vem pressionando pelo alcance de resultados imediatos, nem sempre possíveis. “É necessário dar tempo para que os benefícios do design se manifestem, pois ele é estrutural dentro de uma empresa”, diz Freitas. E o olhar de longo prazo faz diferença.
Controle o tempo e os custos – Gerenciar um negócio no dia a dia é muito parecido com gerir uma obra, considera Mendes: os dois lidam com cronogramas e orçamentos. “Em ambas as situações, é necessário verificar se as execuções estão sendo feitas de forma adequada pelos colaboradores e acompanhar a esteira de produção.” Além disso, há o acompanhamento financeiro.
A boa gestão de tempo também é fundamental: “Os pequenos empresários devem estar especialmente atentos à gestão do tempo porque eles tendem a se dedicar mais aos aspectos operacionais. E isso acaba limitando o crescimento”, afirma Jeronimo. Essa limitação pode ser contornada pela automação e digitalização, que liberam o empreendedor para atender aos clientes, reduzem perdas, trazem mais controles e eficiência.
Busque uma boa equipe – Na construção, é necessário escolher bem desde os responsáveis pelo projeto até aqueles que irão executar a obra. Isso também vale para os negócios. “É muito difícil que um empreendedor seja bom em todos os campos requeridos para tocar um negócio, ou seja, que domine plenamente a área comercial, financeira e de operações. É necessário buscar aptidões complementares e trazer as pessoas certas para compor a equipe, lembrando-se de criar uma cultura forte, com os mesmos valores”, afirma Alexandre Benedetti, diretor do Talenses Group, especializado em recrutamento e seleção. O mercado de trabalho vem requerendo cada vez mais profissionais com capacidade de influência, empatia e adaptabilidade. Reflexo de um mundo que está cada vez mais instável e com ciclos de negócio cada vez mais curtos.
Acompanhe as tendências – Manter-se atualizado é essencial, tanto no que diz respeito a tendências estéticas, de uso de materiais, técnicas construtivas, quanto a mudanças dos consumidores ou de práticas de gestão. “Mesmo quem não quer estar à frente nos processos de inovação deve acompanhar o que está acontecendo para não ficar de fora do mercado”, diz Mendes, que discute temas relacionados à inovação na vertical de construção da Associação Catarinense de Tecnologia (Acate).
A estética importa – Paredes vermelhas em um restaurante ou um café podem abrir o apetite dos clientes, mas num hospital elas jogam contra a recuperação. A arquitetura e o design influenciam nas sensações e apelam para nossos sentidos. Ambientes podem evocar sensação de conforto ou incômodo, de tradição ou de jovialidade, simplicidade ou sofisticação etc. Cuidar de uma marca e do ambiente de trabalho também tem um lado estético.
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