Recuperando-se de internação por coronavírus, o presidente da Câmara Municipal de São Paulo, Milton Leite (DEM), comandará uma Casa bem diferente.
A configuração agora tem mandatos coletivos, esquerda fortalecida, a chegada do bolsonarismo e a presença de vereadores transexuais. A mistura já gerou alguns confrontos e muita polarização. Na esteira disso, há relatos de ameaças e atentados aos representantes.
Em sua primeira entrevista após eleito, Leite, 65, vê vantagens na polarização por refletir a sociedade atual. Ele também afirma que, embora haja limitações com relação à segurança possível de oferecer a membros não eleitos dos mandatos coletivos, estuda um meio de fazer escolta desses integrantes.
Além de medidas relacionadas ao coronavírus, a Câmara priorizará neste ano a discussão da revisão do Plano Diretor, que ainda será mandada pelo Executivo. Leite demonstrou simpatia a temas caros ao mercado imobiliário, em relação a altura dos prédios e limitação de vagas de garagem.
Parte do grupo que comanda o DEM no estado de São Paulo, o vereador nega que o vice-governador Rodrigo Garcia possa deixar a legenda. Além disso, ele diz acreditar que, apesar do racha no DEM, conseguirá levar o apoio do partido ao projeto de João Doria (PSDB) à Presidência da República em 2022.
Quais são os projetos prioritários na Câmara neste ano?
As demandas decorrentes de Covid. O tratamento que estou dando no momento ao auxílio emergencial. [Houve] esforço concentrado e conseguimos aprovar [o projeto que prorroga ajuda de R$ 100] em primeira votação. Todos os demais assuntos decorrentes de Covid serão prioridade.
Outro assunto é o Plano Diretor Estratégico, devemos aguardar o envio do Executivo. Há intervenções urbanas e operações urbanas. Tem uma série de projetos importantíssimos. É claro que o Plano Diretor é importante porque ele traz investimento. Não é se jogar no colo do mercado imobiliário, é fazer uma regulação. E é bom que seja neste momento, porque nós hoje temos um reflexo muito amplo da sociedade no plenário da Câmara.
Entre medidas estudadas estão concessões ao mercado como a possibilidade de construção de prédios mais altos nos miolos dos bairros e mais vagas de garagem. Elas não podem descaracterizar o Plano Diretor aprovado em 2014, que previa adensar eixos de transporte?
A cidade é dinâmica. Se houver demanda de ajuste, temos que nos ajustar com a sociedade. Será objeto de discussão, audiência pública e debate dos demais vereadores. Minha posição pessoal é que cabe ajuste. As audiências públicas serão fundamentais para isso.
Na opinião do senhor, o que teria que mudar?
Essa questão da garagem [limite de vagas] é algo que deva ser adequado. Como a questão dos limitadores de gabarito [altura dos prédios], eu acho que tem alguma incoerência na forma como foi feita a implementação. Se nós olharmos do ponto de vista ambiental, imagine que você tem um terreno de 1.000 metros. Você limita na altura.
Se você fizer um prédio mais esbelto e estreito, você pode aumentar a área de permeabilidade do solo. Não precisa mudar a correlação [de uso do terreno]. Você ganha exigindo uma área de permeabilidade do solo, o que é ambientalmente é correto. Eu acho que foi um equívoco daquele plano diretor limitar a altura.
O ano começou com ameaça a vereadora e atentados contra membros de mandato coletivo. Pelo posicionamento oficial da Câmara, só há proteção aos vereadores eleitos. Por quê?
Estamos em um momento que há uma legislação que podemos dar segurança ao vereador titular do mandato [por meio da Guarda Civil Metropolitana]. Qualquer outro funcionário público e os que foram ameaçados entendo que mereçam segurança, mas por parte da Secretaria da Segurança Pública.
Não deixo de reconhecer em momento algum a importância dos covereadores para os mandatos. Ainda assim estou buscando um mecanismo de pelo menos fazermos a escolta deles, trazê-los de casa até a Câmara, com carro da GCM. Estamos buscando pelo meio legal. Ressalto que vereadores ameaçados não é novidade. Na campanha eleitoral, todos os vereadores da Câmara [que faziam campanha] para o Bruno foram ameaçados.
A Câmara atual tem uma configuração muito diferente, com presença inédita de transexuais, a chegada de representante do bolsonarismo. É muito mais polarizada e já registrou alguns atritos. Como mediará a polarização?
É bom que ela seja polarizada. É bom que a sociedade tenha eleito uma representação de todos os segmentos. Não seria correto uma sociedade eleger na Câmara só uma parte, nem tanto para extrema-direita nem tanto da esquerda nem tanto o centro. É bom que nós debatemos à luz do dia. Cabe a mim como presidente mediar e estarei mediando, respeitando as minorias. Eu dei voz a um lado e ao outro.
Também há uma oposição maior. Como aliado do prefeito Bruno Covas, será mais difícil aprovar projetos?
A Câmara aprovará os projetos que o plenário permitir. Vamos buscar convencimento. A gente já tem uma maioria que acredita que venha da base. Também com eles eu preciso buscar o diálogo, nem tudo eles concordam. Vamos buscar a maioria no diálogo.
A Câmara recentemente aprovou um aumento para o prefeito, que gerou uma repercussão negativa na sociedade. O que diz sobre isso?
[Covas] Não recebeu nenhum centavo. Ninguém recebeu nada até agora [o aumento só vale a partir de 2022]. Agora, não é justo, eu não conheço alguém que faça gestão de R$ 70 bilhões que tenha um salário de R$ 24 mil. Está errado. Não é justo um salário de R$ 24 mil, vira R$ 15 mil na prática, para um chefe do Executivo da cidade.
Neste caso específico, ele vive do salário de prefeito. É difícil para ele viver com R$ 15 mil limpo, tanto que ele mora num apartamento que não dá o tamanho da sala aqui onde estou. Se nós aprovássemos todos os salários com um ano de antecedência, qual seria o fato bom nisso? Permitiria críticas, e que o Judiciário, se irregularidade houvesse, pudesse agir antes. Agora, não é justo um prefeito ficar oito anos sem reajuste salarial, não foi feita nem a reposição da perda.
O fim do passe para os idosos entre 60 e 64 não fragiliza essa população em meio à pandemia?
Estamos acompanhando o alinhamento com a lei federal. Segundo, há um equívoco de quem faz a leitura deste tema. O idoso, 60 anos, que trabalha, quem paga o transporte dele? É a empresa. Estávamos subsidiando todas as empresas. Uma pequena parcela, sim, deixou de receber. A grande maioria está sendo subsidiada pelas empresas. Essa correlação não mudou.
Se perguntar se caberia uma medida para esses desempregados de 60 a 64 anos? Talvez em algum momento a gente volte a discutir neste ano.
Como esse racha que teve no DEM afeta a sigla em São Paulo, com parte do partido no Congresso pendendo para o governo, o Rodrigo Maia saindo e a possibilidade da saída do vice-governador Rodrigo Garcia?
Rodrigo Garcia não sai do DEM. Nós não sairíamos. Acho que o Rodrigo Maia passou um pouco do ponto. Mas o DEM estará estável para a eleição de 2022. Quanto à crise, o Maia cuidou de uma aliança, mas não cuidou do DEM. Tivemos 15 deputados que desejavam acompanhar o Arthur Lira, não necessariamente o Bolsonaro.
Maia achar que podia ser reeleito atropelou o deputado Elmar [Nascimento, que queria presidir a Casa]. Elmar foi para o confronto. Esse é o confronto. ACM não tomou atitude de levar o partido para o governo. A leitura do Maia, meu amigo, foi equivocada com relação ao ACM.
Como isso afeta o apoio do DEM ao projeto do governador João Doria para 2022?
O DEM fará o possível para que João Doria seja presidente da República. Nenhuma dúvida com relação a isso. Da minha parte, do Rodrigo [Garcia], do DEM de São Paulo faremos o possível para que ele seja presidente.
E nacionalmente, como fica a situação com ACM Neto?
O ACM será mediador dessa questão. Nós estaremos apoiando o Doria dentro do DEM e acreditamos que temos maioria para fazer a aliança. Essa discussão não foi aberta no DEM. Estive com ACM Neto nesta semana por duas horas. Nós acertamos que não vamos discutir isso agora.
É hora de o governador governar, o prefeito prefeitar, o presidente cuidar do povo. Estamos numa pandemia que é uma das piores da história. Não podemos falar de candidatura a presidente quando nós precisamos que esse presidente vá trabalhar. Que ponha um ministro qualificado para responder pelo Ministério da Saúde. Ele põe alguém que entende de logística e não comprou as vacinas.
RAIO-X
Milton Leite, 65
Filiado ao DEM, é vereador na cidade de São Paulo desde 1997. Com base eleitoral o extremo sul da cidade, ele foi eleito em 2020 com 132.716 votos, a segunda maior votação da cidade. Foi presidente da Câmara em 2017 e 2018. Neste ano, foi novamente eleito para o cargo. É aliado de João Doria e Bruno Covas no estado, tendo influência nos Executivos municipal e estadual. Sua dinastia política é composta pelos filhos, o deputado federal Alexandre Leite e o deputado estadual Milton Leite Filho
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