Na Lapa dos anos 20 do século passado, o bullying corria solto. Na recém-lançada biografia "Jacob do Bandolim: Um Coração que Chora", o jornalista Gonçalo Junior lembra o que sofria o menino Jacob Pick Bittencourt antes de conhecer a alegria de ter nas mãos um bandolim vagabundo em forma de cuia. Ficava a maior parte do tempo trancado no quarto, alvo da repressão materna. Ouvia gritos e sussurros, não tinha amigos e apanhava dos valentões.
No alto da rua Joaquim Silva funcionavam pensões especiais: mulheres seminuas às janelas e homens que andavam de lá para cá com olhos lúbricos. Numa delas vivia o futuro virtuose do instrumento e genial compositor de "Doce de Coco". O curioso é que, por um curto período, ele foi vizinho de uma garotinha sapeca, Carmen Miranda, que morava com a família numa casa de vila, até que a barra da prostituição começou a pesar demais.
Ao contrário de Carmen, Jacob não podia se mudar. Raquel, sua mãe, era a cafetina dona da pensão. Uma polaca. Assim ficaram conhecidas no imaginário popular as judias tiradas da miséria dos guetos e de pequenas cidades da Europa Oriental e enfiadas nos bordéis do Rio por rufiões também judeus.
O livro abre com uma visita ao hoje abandonado Cemitério Israelita de Inhaúma, cuja construção em 1916 foi financiada pelas próprias polacas que, consideradas impuras, não podiam compartilhar sinagogas nem cemitérios. A mãe de Jacob queria ser enterrada lá. O filho renegou a origem judaica e se converteu ao catolicismo.
Com seus fantasmas, a casa continua firme, no número 97 da Joaquim Silva, ao lado da escadaria Selarón. Depois de abandonado, invadido, saqueado, palco de festas clandestinas durante a pandemia, o sobrado de 700 metros quadrados e frontão art nouveau vai virar um restaurante. Enfim um lugar que abre —não que fecha— no Centro do Rio.
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