Numa vida a reboque de uma bic ou de um teclado, já escrevi para todo tipo de veículo: jornal, revista, livro, rádio, televisão, teatro, filme, disco infantil, letra de música, encarte de CD, catálogo de artista plástico, agenda, anuário, anúncio, panfleto, discurso e, pode crer, até aviso de falecimento para ser distribuído na esquina. Faltava-me escrever uma bula de remédio --mas meu dentista, dr. Americo Soeiro, pediu-me há tempos para ajudá-lo na descrição de um procedimento que estava introduzindo. Pronto, não falta mais.
Em todas essas mídias, no entanto, havia um formato para mim proibido: o confessional, a primeira pessoa. Em busca da informação, aprendi que a primeira pessoa só cabe à fonte, não ao repórter. Depois, como biógrafo, convenci-me disso --o ego do autor tem de ser invisível, só os personagens podem dizer "eu". E assim segui pela vida, neutro e objetivo. Até que, em 2007, Otavio Frias Filho me convidou a voltar à Folha, alternando com Carlos Heitor Cony na coluna Rio.
Seria minha terceira passagem pelo jornal —a primeira, em 1983-85, como repórter especial; a segunda, nos anos 80 e 90, como colaborador intermitente. A Folha tinha algo de que eu gostava —pode-se ocupar uma seção fixa, mas participa-se de todo o jornal. Em minhas outras passagens, eu colaborara até na Folhinha e no Agrofolha. Mas nunca tinha feito crônica. "Escreva sobre o que quiser", disse Otavio, "mas de um ponto de vista pessoal, carioca".
Em meu primeiro texto neste espaço, no dia 26 de fevereiro de 2007, ainda não usei o "eu", mas arrisquei um "mim" e um "meu". Era o começo. O primeiro "eu" surgiu dois dias depois, numa crônica sobre Cony. E, desde então, nesses quase 14 anos, o "eu" se intromete com uma frequência que me custa refrear. Mas, na crônica, vale.
A Folha me revelou que, por trás da bic ou do teclado, pode bater um coração.
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