Ricardo Melo
Preso em um confinamento compulsório, tenho sido quase que obrigado a viajar diariamente pelas internets da vida.
Isto tem me ajudado a compreender por que milhares de seres humanos têm sido sacrificados sem dó nem piedade.
Cálculos de autoridades americanas e internacionais relativamente sérias estimam em milhares as vidas que poderiam ter sido poupadas caso medidas de prevenção estivessem sido adotadas.
Aqui no Brasil, a mesma coisa –ou pior.
O negacionismo transformado em política pública pelo governo Bolsonaro enterrou milhares de brasileiros que não precisavam morrer de forma precoce.
Além dos escândalos de cloroquina, declarações e aparições genocidas, o capitão expulso do Exército deixou apodrecer milhares de testes que poderiam evitar a agonia de tantos outros.
Mas não quero me ater a isso.
Para mim, quase tão revoltante quanto isto é ver "formadores de opinião" posando em ilhas paradisíacas, hotéis de luxo, fazendas aconchegantes.
Geralmente é gente de dinheiro farto conquistado à custa de fãs capturados com a ajuda de mídia e TVs (e sabe-se lá de mais o quê), truques em rede sociais e relacionamentos selecionados.
As descrições são assustadoras. Um passeio pelos instagrams da vida nos brinda com coisas como: "A salvo do vírus"; "aqui estou fora de perigo"; "obrigado pelo carinho"; "vamos sair desta".
Cínicos. Fingem não saber que enriqueceram à custa daqueles que são obrigados a viver em cômodos lotados e a morrer dentro de casa por falta de leitos.
Eu me pergunto: quanto tais milionários doaram do dinheiro que ganham do povo para amenizar a pandemia de suas "galinhas de ovos de ouro"?
Lemann, o brasileiro rico que mora na Suíça (!), chegou a dizer que as crises criam oportunidades. Portanto, dá-lhes pandemia. Justiça seja feita, ele doou algum para fornecer álcool gel. Menos mal.
O mais patético, porém, são os "artistas", "celebrities" e "influencers" exibindo-se em mansões de luxo, piscinas, resorts e refúgios onde ficar a salvo. Cercados de funcionárias e funcionários que arriscam a própria vida.
Pergunto: com quantos centavos esta gente contribuiu para ajudar o povo de Manaus, por exemplo, a não morrer de falta de ar? Por que não declaram o que fazem para ajudar a combater a pandemia que assola o Brasil e não apenas a eles mesmos?
Apenas uma diária de um hotel chique onde eles se resfestelam teria salvo dezenas de pessoas. E não faria nenhuma falta a eles.
Não, não tenho nenhum preconceito contra quem ganha dinheiro com seu próprio trabalho. Não sou a favor da socialização da miséria, mas sim da distribuição mais justa da renda.
Tampouco deixo de admitir que o principal responsável pela tragédia que vive o Brasil chama-se Jair Bolsonaro.
Mas um pouco de decoro pega bem.
Há algum tempo isso se chamava sociedade civil.
Hoje chama-se de cumplicidade. Numa ilha, mansão ou boa piscina de dezenas de mil dólares diários.
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