O relator da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, ministro Edson Fachin, mostra-se preocupado com a higidez da democracia brasileira. Numa rara entrevista, concedida a esta Folha, o magistrado teceu um raciocínio interessante, amalgamando três gêneros de corrupção a ameaçar o país.
O primeiro seria o da concentração do poder político, o segundo, o da promiscuidade entre o poder econômico e o Estado, e o terceiro, o da criminalidade do colarinho branco dentro do serviço público.
Em todos esses flancos, diz Fachin, há sinais de deterioração. É difícil discordar do diagnóstico, a julgar pela própria situação da Lava Jato, em xeque em razão de seus próprios erros, mas também pela reação de malfeitores influentes que desejam escapar da punição.
Os excessos notórios da operação comandada de Curitiba por um grupo de procuradores, sob o crivo do então juiz Sergio Moro, passam por rigorosa revisão no próprio STF. Essa parte saudável do processo, no entanto, vem acompanhada de um cerco político ao legado positivo da operação, que foi o de submeter elites, outrora imunes e à vontade para saquear o Estado, ao risco de condenação.
A melhor saída desse quadro seria, como anseia Edson Fachin, derrotar o lavajatismo —o pastiche que confundiu o dever funcional de agentes públicos de perseguir a corrupção com devaneios ideológicos e político-partidários—, mas manter vivo e sóbrio o espírito republicano da operação.
Nada disso será possível se o que o ministro chamou de “processo desconstituinte”, que associa sem nomear à ascensão de Jair Bolsonaro, conseguir se aprofundar.
A excessiva participação de militares no governo, a intimidação contra o Poder Legislativo e o Judiciário, o incentivo às armas na sociedade, a campanha bolsonarista para desacreditar o sistema eletrônico de votação e as ameaças de tropicalizar arruaças do trumpismo em caso de derrota eleitoral são elementos a que Fachin alude para sustentar seus temores.
De fato, esse conjunto de fatores concorre para retardar, se não para reverter, a marcha civilizatória da sociedade brasileira. As instituições do Estado democrático de Direito, entre elas o Supremo Tribunal Federal, têm conseguido evitar estragos maiores, não sem despender enorme quantidade de energia.
O conúbio recente do presidente da República com a nata da política tradicional e paroquial foi o resultado prático do seu entrechoque com aquele rochedo institucional. Percebeu que estaria em apuros se não mudasse no mínimo de tática.
Que ninguém se iluda, porém, sobre alterações profundas na mentalidade presidencial. Ali o cesarismo continua ativo como sempre.
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