Na tentativa de abocanhar parte do mercado de geração de energia na Amazônia, produtores de energias renováveis defendem mudanças nas regras dos leilões do governo, alegando que o modelo atual favorece térmicas a diesel, mais poluentes.
A disputa envolve os chamados sistemas isolados, localidades que não estão conectadas à rede de transmissão de energia do país, seja pela distância dessa rede, seja por estarem em meio à floresta. Há hoje 211 localidades nessas condições, lista que inclui comunidades indígenas e ribeirinhas, ilhas e cidades na floresta.
Em geral, elas são abastecidas por térmicas ou geradores a diesel e óleo combustível, cujo custo é rateado por todos os consumidores brasileiros de energia via CCC (conta de consumo de combustíveis). Em 2021, essa custo deve chegar perto de R$ 8 bilhões.
Além do alto valor, a geração a diesel na região é ineficiente e poluente, admite a estatal EPE (Empresa de Pesquisa Energética), responsável pela realização dos leilões. Em geral, gasta-se mais combustível para transportar o diesel pelas longas distâncias da Amazônia do que para gerar energia.
Em 2019, a empresa estimou que as emissões pelos geradores dos sistemas isolados chegariam a 2,87 milhões de toneladas de CO2 equivalente no ano seguinte. O volume se equipara às emissões de Recife em 2015, por exemplo, segundo inventário feito pela prefeitura naquele ano.
O governo pretende realizar em abril um leilão para o atendimento de 23 desses sistemas, localizados no Amazonas, no Acre, no Pará, em Rondônia e em Roraima. A ideia é contratar uma potência instalada total de 97 MW (megawatts).
Projetos movidos a óleo diesel dominam o volume de energia cadastrados para a disputa, com metade dos 1.300 MW habilitados. Estreante no mais recente leilão desse tipo, realizado em 2019, o gás natural aparece em segundo, com 382 MW.
Já a energia solar, que já tem tido peso na expansão da capacidade de geração no sistema interligado nacional, representa apenas 6% da oferta cadastrada. Apesar da redução de custos da tecnologia nos últimos anos, o setor alega que as regras do leilão dificultam a participação na concorrência.
O Fórum de Energias Renováveis, entidade que tem entre seus membros empresas do setor, enviou cartas ao MME (Ministério de Minas e Energia) solicitando alterações nas regras, sob o argumento de que a inserção de renováveis poderia acelerar a transição energética na Amazônia.
Estudo elaborado para o Fórum pela Volt Robotics afirma que, apesar do investimento maior no início, projetos de geração solar com baterias têm menor custo operacional e reduziriam a conta rateada pelos consumidores no longo prazo.
Considerando uma central geradora de 18 MW, diz o estudo, o custo de operação com óleo combustível chegaria a R$ 462 milhões em cinco anos, o equivalente ao investimento necessário para construir um parque fotovoltaico de mesmo porte, que não demandaria a compra de combustível.
“Avaliando horizontes mais longos, de 25 anos, o custo de operação da solução a óleo diesel é de R$ 2,3 bilhões, enquanto o custo da solução renovável é de R$ 4,4 milhões”, diz o texto.
O setor admite, porém, que é difícil atender os sistemas isolados apenas com energia solar, principalmente porque em muitas dessas cidades o uso de ar condicionado eleva o consumo durante a noite, quando o sistema dependeria só de baterias.
Mas argumenta que o problema seria resolvido com o uso de modelos híbridos, que limitariam o consumo de óleo diesel ou combustível aos momentos de maior consumo. O curto tempo para análise do leilão, alegam, teria dificultado o cadastramento desses projetos.
O setor pede à EPE que reveja as regras da concorrência, ampliando prazo para elaboração dos projetos e dos contratos de fornecimento de energia, com o objetivo de viabilizar financiamentos de longo prazo.
“Estamos perdendo a oportunidade de deixar a Amazônia renovável, de fazer aquilo um laboratório para a transição energética”, diz Donato Filho, sócio-fundador da Volt Robotics, que fez o estudo para o Fórum de Energias Renováveis.
A elevada carga tributária sobre as baterias, que pode chegar a 80%, é outro obstáculo, diz a a Absolar (Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica). “Existe uma barreira tributária que atrasa a entrada dessas novas soluções em razão da mão pesada dos impostos”, afirma o presidente da entidade, Rodrigo Sauaia.
A EPE diz que o objetivo do governo é atrair para os leilões o maior número possível de alternativas. Mas no caso das renováveis tem que considerar o custo e a garantia de segurança energética para as localidades.“A gente não pode afirmar que, daqui a 15 anos, não vamos achar os preços de hoje proibitivos”, diz Bernardo Folly Aguiar, superintendente de projetos de geração da EPE.
O gás natural produzido na Amazônia vem surgindo como alternativa. Em 2019, a Eneva venceu um contrato para a construção de uma térmica a gás em Boa Vista, que será suprida pela produção da empresa no Amazonas —as cargas de gás serão levadas de caminhão. A empresa já se inscreveu no próximo leilão para tentar replicar o modelo para outras localidades.
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