Moisés Naím, O Estado de S.Paulo
15 de fevereiro de 2021 | 05h35
Apesar de ser o país das Ilhas Galápagos, de ter 32 majestosos vulcões, vários deles ativos, e ser o principal produtor de bananas do mundo, o Equador raramente atrai a atenção da mídia internacional. Não é o Brasil, o México ou a Argentina, os gigantes da região. Sua instabilidade política não é tão grave quanto a do Peru e o país não sofreu um saque como o da Venezuela.
Em suma, é um país latino-americano normal: pobre, desigual, injusto, corrupto e cheio de gente decente e trabalhadora. Sua democracia é imperfeita, mas competitiva; suas instituições são fracas, mas existem; e sua economia, a oitava maior do continente, depende da exportação de petróleo, bananas, camarões e ouro, bem como do dinheiro que os equatorianos vivendo no exterior remetem a seus parentes em casa.
Ultimamente, o Equador está ganhando as manchetes com mais frequência. Eleições presidenciais sempre são notícia. A atenção incomum da mídia se deve ao fato de alguns analistas alertarem para a possibilidade de o resultado sinalizar uma mudança que transcende o Equador. A questão concreta é: a esquerda voltará ao poder na América Latina?
Entre o fim do século passado e o início deste, os presidentes de esquerda proliferaram. Tivemos de Lula a Hugo Chávez, de Evo Morales ao casal Kirchner e de Michelle Bachelet a Rafael Correa. A possibilidade de uma virada à esquerda na América Latina se baseia no fato de que as eleições do Equador são as primeiras de uma série que inclui presidenciais em Honduras (março), Peru (abril) e Chile (novembro), e legislativas em El Salvador, México e Argentina.
No primeiro turno das eleições equatorianas, nenhum candidato obteve votos suficientes, forçando uma segunda votação em 11 de abril. O candidato com mais votos no primeiro turno foi o esquerdista Andrés Arauz, promovido e protegido pelo ex-presidente Rafael Correa. O segundo lugar, bem distante do primeiro, é objeto de uma disputa acirrada entre o candidato conservador Guillermo Lasso e o indígena Yaku Pérez, que denunciou fraudes.
O empresário promete eficiência, crescimento econômico e emprego. O candidato de esquerda oferece mais igualdade, menos pobreza e mais justiça. E o líder indígena jura reivindicar os direitos dos povos indígenas e proteger o meio ambiente. Vimos essa oferta de alternativas eleitorais – empresário, esquerdista e indigenista – em outros países. Seu resultado é imprevisível. O Brasil é presidido por um populista de extrema direita, e o México, por um populista de esquerda.
Mas, além das ideologias que prevalecerão nos próximos anos, há uma tendência ainda mais importante: o uso de testas de ferro no poder. Essa se revela na propensão dos presidentes que não podem ser reeleitos a “instalar” no poder seus parentes ou pessoas próximas a eles na esperança que atuem como seus representantes políticos.
Arauz, o mais votado no primeiro turno, é candidato graças ao apoio do ex-presidente Rafael Correa. Este não pôde concorrer, pois foi desqualificado pela Justiça equatoriana por envolvimento em corrupção. Cristina Kirchner foi presidente da Argentina graças a seu marido, Néstor Kirchner (e reeleita após ficar viúva dele). No México, a deputada Margarita Zavala, mulher do ex-presidente Felipe Calderón, foi candidata nas presidenciais de 2018, nas quais Andrés Manuel Lopez Obrador foi vencedor. Na Colômbia, Juan Manuel Santos e Iván Duque chegaram à presidência graças ao apoio do ex-presidente Álvaro Uribe. No Brasil, Dilma Rousseff foi presidente graças a Lula e, na Bolívia, Lucho Arce venceu as eleições graças à popularidade de seu ex-chefe, Evo Morales, que lhe deu todo o seu apoio.
Com suas promessas impossíveis de cumprir, sua predileção por políticas de fracasso já conhecido e suas propensões autoritárias, o populismo – tanto de direita quanto de esquerda – é sempre uma grande ameaça. Mas a sua continuidade é uma ameaça ainda maior. Se um presidente populista é incompetente ou corrupto, mas a democracia funciona em seu país, os eleitores cuidarão de tirá-lo do poder. Os países podem superar o mandato de um mau presidente, mas o dano pode ser enorme e irreversível se esse mau presidente continuar no poder. Ou se, após o término de seu mandato, ele conseguir exercer o poder por meio de um de seus representantes políticos.
É importante impor limites jurídicos firmes à continuidade dos presidentes. Idealmente, devem ser eleitos por um período não superior a seis anos e não inferior a cinco. No final desse único mandato, não podem candidatar-se novamente à presidência. Nunca mais.
Esta solução para a continuidade no poder é difícil, mas não impossível de ser adotada. Infelizmente, o uso de testas de ferro na política é muito mais difícil de impedir. Mas é extremamente importante que o identifiquemos para denunciá-lo e, possivelmente, erradicá-lo./ TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
Nenhum comentário:
Postar um comentário