sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

Folha, 100

 Esta Folha completa nesta sexta (19) 100 anos de existência. Em qualquer atividade, são poucas as organizações, públicas ou privadas, que chegam à marca. Menos ainda as que têm como atividade o jornalismo profissional, em sua vertente crítica.

A celebração é espartana, conforme o momento e a praxe interna.

O jornal não é o mesmo de 1921, obviamente, quando surgiu como contraponto moderno e inquieto aos diários da elite de então. Esse traço viria a definir seu DNA e lhe daria o “espírito de imigrante”, numa feliz definição posterior.

Foi a partir do fim dos anos 1970 e na década seguinte que a Folha ganhou relevo nacional, primeiro com a abertura de suas páginas para o debate público, depois com a campanha pelas eleições diretas. São dessa época as diretrizes que até hoje balizam sua conduta e sua relação com o público.

Seu compromisso basilar, como saberão os leitores mais assíduos, é com o jornalismo apartidário, crítico e pluralista. Não se trata de um conjunto estanque de princípios; ao contrário, a busca desses objetivos sempre impõe reflexões e reorienta as práticas cotidianas.

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O apartidarismo implica distanciamento em relação às forças políticas, o que permite escrutinar com independência o poder em todas as suas formas e instâncias. Dificilmente um veículo de imprensa movido a preferências políticas e ideológicas seria capaz de trazer à tona fatos impactantes que governos tão diferentes quanto os de PSDB, PT e do atual presidente gostariam de manter ocultos.

Ao expressar seus pontos de vista, o que faz apenas nesta seção de editoriais, o jornal abraça a defesa de ideias, nunca a de candidatos ou agremiações. Essas opiniões sujeitam-se a ser reforçadas periodicamente com novos dados e argumentos, ou mesmo reformadas com a transparência obrigatória.

O jornal se sabe falho e não pretende impor certezas —eis o que move o seu pluralismo. Suas páginas continuarão abertas a manifestações de todos os setores representativos da sociedade e a diferentes versões e interpretações dos fatos, sem que se abandone a tarefa de buscar o relato mais fidedigno possível, apresentado de maneira atraente em qualquer plataforma.

A atmosfera crítica e a premência temporal que envolvem a produção do noticiário exigem contrapartidas para que excessos, injustiças e erros não evitados sejam corrigidos. A Folha é o único dos grandes veículos brasileiros a manter um profissional encarregado de fiscalizar a si própria. A retificação de informações é diária, explícita e mandatória.

Em microcosmo, o jornal reflete os mecanismos da governança mais exitosa jamais concebida pela humanidade, o Estado democrático de Direito. Porque os indivíduos são movidos em parte pelas paixões e os interesses, há que constituir instituições harmônicas e independentes, que pelo seu entrechoque previnam a tirania e facilitem o progresso inclusivo de toda a comunidade nacional.

Folha não acredita que seja possível o desenvolvimento material e espiritual da sociedade brasileira fora dos marcos da democracia representativa. A pobreza e a desigualdade serão reduzidas à medida que mais parcelas da população tiverem acesso a oportunidades, seja na economia, seja na política.

Cumpre desconcentrar o poder e diluir as oligarquias, algo que não será realizado sem a fiscalização dos Poderes instituídos sobre o Executivo, no setor público, nem a vigilância do jornalismo profissional, na sociedade civil.

O jornal milita, igualmente, pelo consenso iluminista, a defesa das liberdades individuais e das minorias, a diversidade em sua feição mais abrangente e a soberania da ciência sobre o obscurantismo.

Pela primeira vez sob a Constituição de 1988 os veículos como a Folha se defrontam com um adversário do regime, adorador de autocratas e torturadores, na Presidência da República.

Os desejos de destruição da imprensa independente que com frequência escapam da boca do mandatário são manifestações de uma contrariedade mais profunda, contra as amarras que o impedem de portar o cetro e a coroa ou a farda.

A vantagem de um jornal centenário neste momento é vislumbrar a perspectiva da História. A energia despendida agora para preservar as liberdades duramente conquistadas não terá sido em vão. As angústias serão superadas, e a marcha das conquistas civilizatórias, cedo ou tarde, retomada.

Os próceres do despotismo ficarão pelo caminho, apagados pela névoa do tempo. A causa da Folha é maior e mais forte. O jornal seguirá dando sua contribuição à aventura do desenvolvimento justo, democrático e solidário do Brasil nos próximos cem anos, desde que mantenha o compromisso com o direito à informação de Sua Excelência, o leitor.

editoriais@grupofolha.com.br


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