O STF (Supremo Tribunal Federal) encerrou um processo sobre a tentativa de quebra de sigilo de fonte do jornalista Allan de Abreu, dez anos após ele se recusar a revelar seu informante e virar alvo de um inquérito da Polícia Federal e, posteriormente, de uma ação do MPF (Ministério Público Federal).
O caso começou em maio de 2011, quando Abreu publicou uma reportagem no jornal "Diário da Região", de São José do Rio Preto (SP). O texto continha o conteúdo do inquérito de uma operação deflagrada semanas antes pela PF e pelo MPF sobre um esquema de corrupção na delegacia de trabalho da cidade.
No dia seguinte, o responsável pela operação por parte do MPF, o procurador da República Álvaro Stipp, quis saber de Abreu quem tinha vazado ao jornalista os documentos sigilosos. O repórter conta que se negou a revelar.
Abreu diz que, na semana seguinte, foi intimado a depor em inquérito da PF e indiciado por quebra de sigilo de escuta telefônica.
Em 2014, o Ministério Público Federal pediu a quebra do sigilo telefônico do jornalista e de toda a redação do jornal na tentativa de se chegar ao informante. Um juiz da cidade, Dasser Lettiere Júnior, acatou o pedido no fim daquele ano.
"Nunca tinha acontecido isso no país, era uma situação inédita e muito tensa para a gente. Não tanto por chegarem à fonte —porque meu contato com a fonte foi pessoal e não por telefone—, mas era preocupante pelo que poderia causar em outras ocasiões", diz Abreu.
Em 2015, ANJ (Associação Nacional de Jornais) entrou com pedido no STF para que a quebra de sigilo fosse suspensa liminarmente. O STF concedeu uma decisão provisória favorável por meio da segunda turma, mas o julgamento não foi concluído porque ficou faltando a posição do ministro Gilmar Mendes —que havia pedido vistas do processo na época.
Cinco anos depois, o ministro votou de forma favorável à ANJ, e o processo pode ser finalmente encerrado.
"O sigilo constitucional da fonte jornalística (art. 5º, inciso XIV, da CF) impossibilita que o Estado utilize medidas coercivas para constranger a atuação profissional e devassar a forma de recepção e transmissão daquilo que é trazido a conhecimento público", escreveu o ministro em sua decisão.
O acórdão da segunda turma do STF foi publicado em outubro de 2020 e agora transitou em julgado —isto é, o processo foi encerrado em definitivo e não cabe mais recurso.
Foi trancado o inquérito que tinha Abreu como alvo, anulado seu indiciamento por quebra de sigilo de comunicação telefônica e determinada a inutilização de eventuais dados obtidos por quebra de sigilo telefônico de Abreu e do "Diário da Região".
Para Abreu, apesar de a liberdade de imprensa e o sigilo de fonte serem uma garantia constitucional, essa garantia não é uma certeza para o repórter, que ainda está suscetível a idiossincrasias de procuradores e juízes.
"É delicado e constrangedor para o jornalista ficar em uma decisão como essa. Até porque quem quebra o sigilo é o servidor que tem acesso a essas ferramentas. Cabe ao jornalista publicar em caso de interesse público", afirma.
Abreu diz que o caso lembra ataques atuais de autoridades contra o jornalismo, mas também serve para reforçar o papel das instituições em assegurar as garantias democráticas previstas na Constituição.
"O Estado está muito voltado ao ataque ao jornalismo e às garantias do jornalismo, mas ao mesmo tempo as instituições estão preparadas para conter abuso por parte do estado se assim quiserem. Há instituições preocupadas com as garantias constitucionais. Nesse caso, o STF, que é o bastião final desse fenômeno que estamos vendo", afirma o jornalista.
Abreu permaneceu por dez anos no jornal do interior de São Paulo e há três é repórter da revista Piauí.
A Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) afirmou em nota que o resultado fortalece a atividade da imprensa e a liberdade de expressão. A decisão reafirma a proteção constitucional do sigilo da fonte, instrumento previsto no artigo 5º da Carta Magna.
Para a entidade, o sigilo da fonte garante o livre exercício do jornalismo e representa um direito coletivo à informação. Para isso, a Abraji defende ser fundamental barrar quaisquer tentativas de punir penal, civil ou administrativamente jornalistas que estejam no devido exercício da sua prerrogativa constitucional.
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