Luciana Dyniewicz, O Estado de S.Paulo
12 de janeiro de 2021 | 16h18
Apesar de ter uma economia mais instável que a brasileira e enfrentar uma crise mais profunda, com queda do PIB podendo chegar a 12,9% em 2020 - o terceiro ano consecutivo de recessão -, a Argentina passará a concentrar, com o Uruguai, a produção de veículos da Ford na América Latina. Na segunda-feira, 11, a montadora americana divulgou a decisão de fechar suas três fábricas no Brasil.
O anúncio assustou o País, mas não especialistas do setor automotivo, que explicam facilmente não só a decisão da empresa de parar de produzir no Brasil, mas também a de continuar com as operações argentinas. A mudança não tem a ver com questões estruturais ou conjunturais dos países, mas decorre de uma transformação na indústria automotiva e das estratégias da Ford.
“A Ford tem anunciado há uns três anos que não vai mais produzir carros de passeio. A saída do Brasil está alinhada a isso. Não é sobre o Brasil. É sobre ter uma produção alinhada com o portfólio futuro deles, focado em veículos elétricos e SUVs (utilitários)", diz Marcus Ayres, sócio-diretor da consultoria Roland Berger.
Na Argentina, a montadora produz hoje, por exemplo, a Ford Ranger, um de seus carros-chefes. Não só a Ford, mas a maioria das montadoras foca suas produções argentinas em veículos maiores, enquanto carros leves e SUVs pequenos são fabricados no Brasil.
Esse modelo reflete uma tendência cultural. Dos veículos comprados na Argentina, 20% costumam ser pickups; no Brasil, 15%, de acordo com o consultor Cássio Pagliarini, da Bright Consulting.
No fim do ano passado, a Ford inclusive anunciou um investimento de US$ 580 milhões na Argentina para fabricar o novo modelo da Ranger, que é montada na planta de General Pacheco, na Região Metropolitana de Buenos Aires. Por outro lado, dois anos antes, a empresa havia encerrado a produção argentina do Focus, lembra Pagliarini.
Ayres acrescenta que a Ford deixará de produzir carros leves em todo o mundo. Isso porque, nos SUVs, é possível acrescentar um maior volume de ferramentas tecnológicas. “Nesse século, o carro vai ser um computador sobre rodas. O movimento da Ford segue essa tendência. Não tem como embarcar muita tecnologia em um Fiesta, porque o preço não comporta”, explica.
Com a mudança, a companhia deverá vender mais veículos na faixa dos R$ 200 mil do que na dos R$ 50 mil, focando no que é mais rentável. Além dos SUVs, modelos elétricos também estarão no centro das atenções da Ford e das outras montadoras.
Questionado sobre a possibilidade de a empresa usar, portanto, as fábricas no Brasil para produzir veículos elétricos, Pagliarini diz que seria necessária uma política industrial para avançar nessa agenda.
Também para um economista argentino que falou sob condição de anonimato, a decisão da Ford faz parte de uma estratégia global. Ele admite que as condições macroeconômicas da Argentina são mais instáveis para as empresas do que as brasileiras e afirma que há uma alteração frequente entre os países de qual é o mais caro para se produzir. Ambos, no entanto, são caros, tanto quando se consideram questões tributárias como trabalhistas, diz ele.
O economista destaca ainda que as fábricas brasileiras da Ford são maiores e mais difíceis de se tornarem competitivas, comparadas às argentinas. Dado o elevado grau de ociosidade da indústria automotiva em toda a América Latina, é benéfico para a companhia fechar as unidades brasileiras.
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