domingo, 17 de janeiro de 2021

Por dia, pelo menos 17 fábricas fecharam as portas nos últimos cinco anos, OESP

 Daniela Amorim, Mariana Durão e Márcia De Chiara, RIO e SÃO PAULO

17 de janeiro de 2021 | 05h00

Na semana passada, o anúncio da decisão da Ford de fechar suas fábricas no Brasil após 100 anos evidenciou o processo de desindustrialização em curso no País, agravado nos últimos tempos. Há seis anos consecutivos, desde a recessão iniciada em 2014, o Brasil vê o número de indústrias no território nacional cair.

No ano passado, 5,5 mil fábricas encerraram suas atividades. Ao todo, entre 2015 e 2020, foram extintas 36,6 mil. Isso equivale a quase 17 estabelecimentos industriais exterminados por dia. Os números são de um levantamento da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) feito com exclusividade para o Estadão/Broadcast.

Segundo a série histórica iniciada em 2002, até 2014 o número de fábricas crescia, mesmo com a indústria de transformação perdendo relevância na economia diante do avanço dos outros setores.

Há seis anos, o País tinha 384,7 mil estabelecimentos industriais. Mas, no fim do ano passado, a estimativa era de que o número tinha caído para 348,1 mil. Pouco antes do anúncio da Ford, outras multinacionais já haviam comunicado que fechariam suas fábricas no Brasil, caso da Sony e da Mercedes-Benz, que encerrou a produção de automóveis.

“O processo de desindustrialização coincide com o início do Plano Real (quando o câmbio apreciado tornou os produtos brasileiros mais caros lá fora e os importados ficaram mais baratos no País). Além do custo Brasil, mais recentemente a produtividade caiu e parte do parque industrial não se modernizou”, explica o economista Fabio Bentes, da Divisão Econômica da CNC, responsável pelo estudo.

“A desvalorização recente do real ajuda o setor agrícola, o extrativo, favoreceu a balança comercial. Mas o efeito para a indústria não é instantâneo”, afirma Bentes.

Ele calcula que a fatia da indústria da transformação no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro desça a 11,2% em 2020. Será o patamar mais baixo da série histórica iniciada em 1946. 

O levantamento da CNC foi feito a partir de duas bases de dados. Uma é a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), atualmente sob responsabilidade do Ministério da Economia. Outra é o Sistema de Contas Nacionais, do IBGE. Apenas os dados referentes a 2020 são uma projeção, feita com base em estimativas para o PIB da indústria de transformação e a produtividade do setor.

Se a produção cresce, cada aumento de um ponto porcentual gera abertura de cerca de 1,2 mil unidades produtivas no ano seguinte. O mesmo raciocínio vale no caso de queda de produção. “Diante disso, não se pode descartar que haja uma redução ainda mais forte no número de indústrias este ano”, explica Bentes.

Sistema tributário atrapalha indústrias

O desempenho da indústria nacional está hoje 14% abaixo do pico atingido em 2011. Segundo o economista-chefe do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Rafael Cagnin, o quadro é fruto de um ambiente de negócios hostil e de fatores estruturais que atingem a competitividade internacional do setor.

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Fábrica da Ford na Bahia: falta escala global e novos produtos Foto: Ford

O principal deles, aponta, é o complexo sistema tributário brasileiro. Outro ponto fundamental, diz, é a necessidade de uma política de inovação, hoje fora da agenda nacional. 

Cagnin explica que a restrição dos fluxos entre países durante a pandemia da covid-19 pôs em xeque o modelo de suprimento geograficamente disperso e integrado. “No atual ambiente internacional de rearranjo tecnológico e das cadeias globais de valor, o ônus de ter baixa competitividade pelo sistema tributário tende a aumentar. Precisamos de um indicativo muito claro de que esse problema será solucionado. Sem isso, será muito complicado atrair e preservar investimentos”, diz. 

O vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e presidente da Abiplast, José Ricardo Roriz Coelho, também indica como fator preponderante para os fechamentos de fábricas a falta de perspectiva de que o governo faça as reformas e que tome as providências para melhorar o ambiente de negócios.

Multinacionais como a Ford investem em fábricas com escala global de produção, observa Roriz. E, como o Brasil não cresce e a renda da população se mantém no patamar de dez anos atrás, os produtos ficam inacessíveis aos brasileiros e as empresas não avançam.

Queda da fatia do setor no PIB é fenômeno global

A perda de participação da indústria no PIB é um movimento tido como normal nas economias, que, à medida que se desenvolvem, veem as atividades de serviços ganharem peso na estrutura produtiva. No entanto, no Brasil, esse processo é reflexo sobretudo de um ambiente adverso de negócios para a indústria, afirma Rafael Cagnin.

Essa também é a avaliação da economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) Juliana Trece. “Por mais que esse movimento seja natural, o Brasil está longe de ser uma sociedade que já comprou todos os bens industriais e passou a gastar mais com serviços”, diz. Ela ressalta que o fator determinante é a falta de competitividade, que dificulta a atração de investimentos para o setor.

Enquanto o Brasil dá marcha à ré, Cagnin lembra que desde 2012 todas as grandes potências mundiais começaram a resgatar políticas industriais desenhadas para desenvolvimento de tecnologias mais avançadas.

Participação da indústria automotiva deve cair ainda mais

Desde 2011, a indústria automobilística vem perdendo participação no Produto Interno Bruto, segundo levantamento feito por Juliana Trece. O estudo tem por base um recorte da série das contas nacionais trimestrais do IBGE para o setor a partir de 2000.

Em 2008, pico da série, a produção de veículos respondia por 1,1% do PIB. De lá para cá, oscilou e atingiu a menor fatia em 2016 (0,2%). Nos anos seguintes, 2017 e 2018, houve ligeira recuperação (0,3%). “Não temos dados setorizados para 2019 e 2020, mas, com a pandemia e a saída da Ford, é esperado que a tendência de redução continue”, prevê a economista.


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