O Ministério das Comunicações começará a discutir o fim das restrições ao capital estrangeiro na mídia. Hoje existe um limite de 30% de participação em emissoras de rádio, TV e veículos de comunicação impressos.
O fim dessa barreira foi uma recomendação da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) para ajudar o Brasil a ganhar pontos na disputa por uma vaga no grupo.
Segundo técnicos do governo, será criado um grupo específico para estudar a melhor forma de promover essa abertura. Uma primeira proposta deve ser definida até o final deste trimestre.
O governo quer se antecipar a uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) que vem sendo articulada no Congresso por grupos empresariais interessados em atrair parceiros estrangeiros.
As principais emissoras de rádio e TV convenceram o deputado Eli Corrêa Filho (DEM-SP) a apresentar uma PEC prevendo a ampliação do limite atual de 30% de capital estrangeiro na radiodifusão para, pelo menos, 49%.
Versões de minutas da PEC circularam pelo Congresso. Em uma delas, havia o fim da restrição, mas a versão atual considera 49%, segundo representantes das emissoras.
Para apresentar a PEC, o deputado precisa de 171 assinaturas de parlamentares. Para ser aprovada, é necessário passar por comissões e ser votada em dois turnos na Câmara e outros dois, no Senado.
Corrêa Filho é presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Radiodifusão, que conta com 258 deputados. Devido à pandemia, no entanto, a frente prefere aguardar para evitar congestionamento na pauta das votações.
A ideia é liberar as empresas para se capitalizarem buscando sócios. No entanto, somente emissoras de rádio e TV foram contempladas. Outros veículos de comunicação (jornais e revistas, por exemplo) ficaram de fora.
As associações Abert, liderada pela Globo, e Abratel, por Record e SBT, defendem o projeto e trabalham pela aprovação da PEC.
Nos bastidores, ainda se discute se haverá clima político para o fim da restrição, abrindo caminho para o controle de veículos de comunicação por grupos estrangeiros.
Até mesmo as emissoras acham difícil que a abertura total tenha aval do governo e de sua base no Congresso. Por isso, defendem os 49%.
Entre as dificuldades, está o fato de muitos congressistas também serem radiodifusores e não querem ver suas emissoras em mãos alheias. Por isso, preferem um aumento de participação em vez da venda do controle.
Do ponto de vista político, líderes no Congresso não acham boa ideia abrir mão de um instrumento ainda poderoso de comunicação, especialmente no interior do país.
O fim da restrição ao capital estrangeiro é uma das recomendações feitas pela comissão da OCDE que, em 2019, entrevistou representantes do governo brasileiro sobre comunicações.
No relatório final, obtido pela Folha, a emissária da OCDE, Porciuncula Lorrayne, sugere a extinção do limite aos estrangeiros como forma de reforçar os grupos locais na guerra que se tornou a produção de conteúdo pela internet —particularmente a difusão de aplicativos de canais, que está pondo em xeque o modelo de grade de programação das emissoras e os pacotes de TV paga das operadoras de telefonia.
No entanto, a emissária não recomenda o mesmo tratamento para empresas de internet nacionais, ou produtoras independentes, que divulgam seus conteúdos on-demand ou via streaming —e enfrentam os gigantes Google, Amazon e Apple.
Para a elaboração do relatório, a equipe de Lorrayne entrevistou em 2019 executivos das empresas (tanto de radiodifusão quanto de telecomunicações) e representantes do governo.
Pelo Ministério das Comunicações (então Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Telecomunicações) falou o então secretário Elifas Gurgel, general que comandou a Anatel durante o governo da ex-presidente Dilma Rousseff e estava lotado na Secretaria de Radiodifusão.
Lorrayne acatou boa parte das sugestões apresentadas por Gurgel, como a criação de uma agência reguladora única, que congregasse a radiodifusão e as telecomunicações.
Neste cenário, a chamada Agência Nacional de Comunicação deveria, segundo sugestão do relatório, reunir todas as licenças hoje expedidas pelos mais diversos órgãos da administração pública federal em uma única licença.
O próprio ministro Fábio Faria (Comunicações) declarou ter intenção de criar uma agência única. Também ganha força em sua pasta a proposta de unificação das licenças. Mas, de acordo com os técnicos do ministério, ela só reuniria os serviços de telecomunicações (telefonia, TV paga e internet).
Nem mesmo os técnicos do ministério avaliam ser possível implementar algo parecido no país. Isso porque a radiodifusão é um serviço regido pela Constituição e pelo Congresso Nacional, a quem cabe, em última instância, definir a concessão ou a cassação das outorgas.
Além disso, existe uma questão de mercado. As emissoras investiram para fazer produção e transmissão de conteúdo pelo país e, com uma licença única, qualquer serviço poderia ser prestado, na avaliação desses técnicos.
Um provedor de conteúdo, por exemplo, faria transmissão ao vivo, de acordo com esse conceito.
Para as emissoras, não existe possibilidade de que esse modelo siga adiante porque ele significa o fim da radiodifusão.
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