A ciência tem sido destacada pelo governador João Doria e pelo prefeito Bruno Covas como condição imprescindível para a tomada de decisões na pandemia em São Paulo.
Causa estranheza, portanto, a falta de sustentação científica para a adoção de outras medidas no campo da saúde, como a revogação da lei que concedia gratuidade de transporte coletivo para idosos a partir dos 60 anos na capital paulista.
O ato provocou indignação porque foi um tema ausente na campanha eleitoral, estava embrenhado nas letras legislativas, de maneira proposital, para impedir o debate democrático e tem justificativas “falaciosas”, como definiu a associação dos membros do Ministério Público.
Política à parte, a intenção aqui é abordar, do ponto de vista científico, como há um descompasso com o debate global mais contemporâneo e denunciar o desconhecimento dos desafios de uma sociedade envelhecida, na qual o Brasil deve se espelhar em nome do bem-estar de sua população.
O maior sinal vem de figuras públicas, em redes sociais, questionando se é correto “considerar idosa uma pessoa de 60 anos”. Além de claro idosismo (preconceito), deve-se concluir que esses gestores acreditam que políticas públicas para o envelhecimento devem ser adotadas apenas para a população idosa, ignorando as ações preventivas recomendadas pela ciência. Nesse aspecto, é consensual em literatura de renomadas revistas científicas a defesa da gratuidade aos 60 anos como relevante ação de saúde preventiva.
Estudos provaram efeitos benéficos para a prevenção de problemas mentais, no combate à depressão, à solidão e a doenças cardíacas devido ao potencial psicológico de o idoso estar no domínio sobre seu direito de ir e vir. Os resultados são colhidos nos cofres do serviço público de saúde. Londres adota a gratuidade aos 60 anos, embora o marco legal de idoso nos países ricos seja de 65 anos. A ONU acaba de dedicar esta década ao envelhecimento saudável. No item 11 de suas orientações, a acessibilidade ao transporte é primordial para a saúde.
Já a Comissão Europeia recomendou, em 2012, no projeto “Growing Older and Staying Mobile”, um esforço dos países em direção à gratuidade inglesa. Há sempre possibilidade de limitar horários ou subsidiar as linhas de ônibus mais frequentes para, por exemplo, hospitais. Ou seja, existem alternativas. A Organização Mundial da Saúde referenda esse esforço. Soa paradoxal seguir a OMS na pandemia e ignorá-la na questão da acessibilidade.
A heterogeneidade da população idosa, lição número um em políticas públicas para o envelhecimento, foi ignorada. Há várias velhices. O fim da gratuidade penaliza um grupo que já está num limbo da proteção social. O envelhecimento ativo para os mais pobres —com menos educação, periféricos, quase todos pretos e entre 60 e 64 anos— deixou de ser meta e virou obrigação.
Eles não têm emprego e aposentadoria —porque trabalharam informalmente— nem são elegíveis para a assistência social. São os que mais usam a gratuidade e o destino principal, segundo o Metrô de São Paulo, que é o trabalho. Muitas vezes toda a família depende apenas dessa renda. E todos dependem da ciência
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