Temos um setor público que gasta muito e está endividado. Para onde vai tanto dinheiro, se não vemos serviços públicos em quantidade e qualidade que justifique tanto gasto?
Parte da solução desse enigma está na sem-cerimônia com que são tomadas decisões ruins, que levam a gastos de má qualidade, baseadas em argumentos que não resistem a uma avaliação minimamente cuidadosa.
Na coluna passada, descrevi como um programa de financiamento estudantil mal desenhado enriqueceu donos de escolas e jogou custo de mais de R$ 45 bilhões para o contribuinte. A qualificação dos alunos, que deveria ser o objetivo principal, ficou em segundo plano.
Hoje falo sobre outra proposta, que, se aprovada, será mais um dos muitos casos de dinheiro público canalizado para o ralo. A PEC 391/2017 propõe aumentar em um ponto percentual as parcelas do Imposto de Renda e do IPI destinadas ao Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Se aprovado, o custo será de R$ 4,4 bilhões por ano.
A justificativa é que o cidadão vive no município e, por isso, o dinheiro deve fluir para lá, onde são oferecidos os serviços públicos de atendimento direto à população. Será?
O FPM tem um defeito básico: direciona muito dinheiro para municípios de pequena população. Pelas suas regras, três municípios de 10 mil habitantes, por exemplo, recebem mais que um de 30 mil habitantes.
Isso induziu a criação de muitos municípios com pequena população, que não têm escala que justifique a oferta de diversos serviços públicos. Por exemplo, um hospital com várias especialidades, em um município de 10 mil habitantes, ficaria boa parte do tempo com baixa ocupação e seu custo
seria proibitivamente alto.
O gráfico mostra quatro sintomas típicos de incapacidade de entregar serviços públicos.
Não há oferta de leitos públicos de internação hospitalar em 38% dos municípios brasileiros. Provavelmente por falta de alunos, 30% dos municípios não têm turmas do 6º ao 9º ano em escolas públicas municipais do ensino fundamental.
O dinheiro que não é gasto na provisão de serviços ao cidadão vai para as áreas administrativas e para a Câmara de Vereadores, financiando emprego público pouco produtivo: em 11% dos municípios o gasto com as funções administrativa e legislativa é maior que o gasto em saúde. Em 7% superam os gastos em educação.
Em 56% dos municípios observa-se pelo menos um desses quatro sintomas. Para essas cidades fluem 39% de todo o FPM. Logo, aumentar o fundo em R$ 4,4 bilhões significa a má alocação de, pelo menos, R$ 1,72 bilhão (4,4 x 39%).
De acordo com o IBGE, 48% dos municípios brasileiros têm como principal atividade econômica a administração pública e a seguridade social. Ou seja, a economia local vive de transferências federais aos municípios e dos benefícios pagos aos idosos. São cidades em que a criação de riqueza pela atividade privada na agricultura, na indústria ou serviços é muito baixa.
Esses municípios vivem do que é produzido em outros lugares.
A porta de entrada do dinheiro nas cidades dependentes de transferências é o orçamento público. Isso dá grande poder a quem aloca esse dinheiro, e se dá melhor quem tem conexão com os políticos locais, para obter um emprego ou benefício público. Alimenta-se uma máquina eleitoral, que prospera sem a necessidade de criação de valor na econômica local e com pouca conexão com a efetiva
prestação de serviços públicos.
Caso aprovada, a PEC 391/2017 será a terceira emenda constitucional aumentando as fatias do Imposto de Renda e do IPI destinadas ao FPM. Em valores de hoje, os três pontos percentuais de aumento produzidos pelas três emendas significam R$ 13,2 bilhões a mais por ano para o FPM. Pelas contas acima, ao menos R$ 5,1 bilhões por ano (13,2 x 39%) seriam mal alocados.
Fosse real a preocupação de levar serviços públicos ao cidadão, o Congresso deveria estar discutindo a mudança das regras de partilha do FPM
e a anexação de pequenos municípios a cidades maiores.
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