Glauco Arbix, coordenador do Observatório da Inovação da USP
17 de janeiro de 2021 | 05h00
O Brasil passa por uma desindustrialização prematura e rápida, o que dificulta ainda mais a inovação de empresas e a requalificação de empregos, diz Glauco Arbix, coordenador do Observatório da Inovação da Universidade de São Paulo (USP). Para ele, o País já deveria estar em “campanha violenta” para todos entrarem na onda de novas tecnologias. Mesmo que o vácuo no PIB seja ocupado pelo setor de serviços, “haverá uma queda brutal da participação na renda dos trabalhadores do meio e da base da pirâmide”.
O País passa por uma nova onda de desindustrialização?
Há um movimento geral de diminuição do peso da indústria no mundo todo, tanto em relação a emprego quanto em participação no PIB, já há algum tempo. O problema é que, em países em desenvolvimento, o declínio está muito acelerado. São países que não conseguem vencer a chamada ‘armadilha da renda mínima’. Países que crescem, conseguem um padrão básico, não conseguem avançar mais e ficam parados no meio do caminho.
É o caso do Brasil?
O Brasil tem o que os economistas caracterizam como ‘desindustrialização prematura’, pois está ocorrendo de maneira rápida e intensa. Europa e EUA demoraram muito tempo para ter a transferência da manufatura para a área de serviços. Aqui, ela ocorre rapidamente, não há condições boas para requalificar empresas e trabalhadores e cria-se uma economia disfuncional. Parte das empresas e dos trabalhadores é qualificada; outra, não. Então, há uma situação híbrida, que aparece no custo da produção. Isso, para mim, é o verdadeiro custo Brasil que os empresários não reparam. Eles só falam de imposto e infraestrutura, mas essa disfuncionalidade tem impacto grande na competitividade e esse custo está nas causas da dificuldade do Brasil em não ter uma indústria avançada
O caso da Ford acentua esse processo?
Esse movimento atinge muito fortemente a indústria automobilística, que vive uma situação específica, explicada em três formas. A primeira é o declínio forte da indústria baseada no petróleo. Há uma alteração do comportamento da sociedade, de governos, de parte das empresas que está forçando uma redução do consumo do petróleo. Isso afeta o Brasil fortemente porque as expectativas em relação ao pré-sal acabaram sendo menores do que se esperava. A segunda é a discussão do movimento sustentável e inclusivo, que não encontra na indústria uma resposta à altura. E a terceira é a questão das novas tecnologias que estão comendo a indústria pelas bordas, principalmente pela dificuldade que ela tem de incorporá-las. Por outro lado, há tecnologias que estão abrindo oportunidades para setores que não têm nada a ver com a indústria tradicional. Mas, no caso da Ford, que também tem uma situação específica, não acho que vai ter uma revoada de outras montadoras indo embora do Brasil, porque o mercado local é grande e isso é um trunfo.
Qual o peso da mudança tecnológica no setor industrial?
Todos os ramos industriais estão sendo questionados sobre a forma como produzem, fazem sua gestão, marketing, pois em todas essas áreas estão entrando tecnologias que exigem um reposicionamento das empresas. Mas cada uma é afetada de maneira diferente. Um exemplo. Estamos vivendo uma pandemia e de repente acontece um milagre, pois normalmente se levava dez anos para desenvolver uma vacina, e em menos de um ano conseguimos quatro, cinco vacinas com a eficácia muito alta. Qual foi a mágica? Dinheiro e investimento sempre teve, mas o sistema de cooperação é uma parte nova, empresas que muitas vezes disputavam entre si passaram a trabalhar em conjunto, cooperação com universidades, com órgãos de governo e centros de pesquisa. Além disso, há uma base de novas tecnologias que estão permitindo chegar às vacinas com a velocidade que estamos vendo. As vacinas da Pfizer e da Moderna são impensáveis sem sistema de inteligência artificial, de moléculas com alterações que são feitas por sistema de informática, combinações que só se consegue hoje, não existia antes. Hoje há sistemas de computação ultrarrápidos, sistema de armazenagem de dados gigantesco, algorítmos ultrassofisticados que conseguem manipular e cria uma realidade nova, se dá um passo que já abriu um caminho poderosíssimo para a medicina.
Como será a nova indústria?
A tendência que está desenhada no mundo, e espera-se que ocorra no Brasil, é de uma indústria com menor participação no PIB – que tende a cair ainda mais –, compacta, mais inovadora e com número pequeno de empregos, o que será trágico para o País. Mas vai continuar tendo um peso importante do ponto de vista da dinamização da economia. A indústria tem de se reinventar, e essa é a grande dificuldade.
Como?
Devíamos estar com uma campanha violenta para todo mundo entrar na onda de novas tecnologias em todos os níveis. Precisa haver um esforço gigantesco de modernização da indústria, de estímulos para absorver as novas tecnologias. Pode-se fazer programas de cooperação internacional para aprender com países que estão mais avançados nesse processo, incentivar a aprendizagem e facilitar o acesso das empresas às universidades. Pode ter uma parte de incentivo que vai pesar no bolso, mas outra não.
O setor de serviços ocupará o vácuo da indústria?
Esse é o desenho que está colocado lá fora.
Mas empregos na área de serviços não são tão qualificados quanto os de algumas indústrias.
Alguns sim, justamente os ligados à tecnologia, como ocorre no Vale do Silício. Mas haverá uma queda brutal da participação na renda dos trabalhadores do meio e da base da pirâmide. Vamos ter um Brasil com desigualdade no mercado de trabalho cada vez maior. Isso é um problema da estrutura da economia que é difícil resolver. Pode-se tentar resolver com sistema de educação e qualificação e, com isso, oferecer oportunidades, mas não há garantias de que esse pessoal vai encontrar uma posição melhor. Mesmo em países como EUA, Alemanha e Japão, a renda do trabalhador médio está caindo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário