terça-feira, 12 de janeiro de 2021

Como a pandemia roubou a alegria do churrasco brasileiro, Marcos Nogueira, FSP

 

Com 8 anos de vida e 10 meses de pandemia, meu filho Pedro já assimilou a dimensão socio-recreativa do ritual brasileiro vulgarmente conhecido por churrasco.

Outro dia, na casa da mãe em Atibaia, ele reclamou da falta de variedade de beliscos. Eu tinha feito uma carne –não lembro qual– e, antes dela, uma linguiça de cala-boca. A criança, de quem eu gosto muito apesar do ocorrido, fez questão de frisar: tá tudo ótimo, mas não é churrasco.

Na visão do Pedro, o churrasco é uma ocasião em que os adultos se transformam num rodízio de petiscos enquanto deixam os pirralhos em paz para fazer as merdas que os pirralhos fazem.

É quase isso.

Na real, os adultos só deixam os pirralhos em paz porque querem ficar em paz para fazer as merdas que os adultos fazem. Nesta ordem: beber, falar mal dos outros e limpar a gordura de picanha na roupa (se for a roupa de outra pessoa, melhor ainda).

Outras culturas acham que a churrasqueira é um fogão ao ar livre. Quando a comida fica pronta, serve e come. Para nós, a churrasqueira é uma lâmpada de atrair mosquitos em que os bêbados são os mosquitos.

A pandemia da Covid-19 zoou grandão o churrasco brasileiro –para o brasileiro que se importa com o brasileiro ao lado, é claro. O churrasco ritualístico brasileiro só funciona com grupos grandes. Porque a razão existencial do churrasco brasileiro é preencher o tempo pelo maior tempo possível.

Quanto maior o grupo, mais longa e bem-sucedida será a missão. Óbvio que isso depende de alguns acordos contratuais. O mais importante: quem recebe controla as compras. Já houve casos de grupos soterrados por montanhas de linguiça e cerveja vagabunda no descumprimento desta cláusula.

E aí, pandemia. Como esperar que um grupo de três pessoas –uma criança e seus pais separados– toque uma festa carnística de uma tarde inteira? Três pães de alho ao meio-dia, três asinhas ao meio-dia e meia, três palitos de queijo coalho às 13h, três linguiças às 13h30… sem condição.

Eu fico triste pelo Pedro e por todos nós. Tomara que logo possamos voltar a fazer o churrasco do jeito certo: o brasileiro.

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