domingo, 17 de janeiro de 2021

Marcos Lisboa - Não existe boca-livre, FSP

 A última coluna criticou a reação de alguns setores à proposta do governo de São Paulo de reduzir em média 20% os benefícios tributários concedidos pelo estado.

A longa lista de bens com tratamento favorecido pode ser encontrada nas páginas 369-373 da lei aprovada pela Assembleia e inclui itens como aviões, areia e insumos utilizados na agricultura.

O problema não é de pouca monta. Os benefícios tributários do ICMS em São Paulo reduzem a arrecadação em R$ 43 bilhões por ano, bem mais do que o governo federal gasta com o Bolsa Família, como escrevi.

Lideranças do setor privado, sobretudo do agronegócio, discordaram da coluna, argumentando que os demais países concedem subsídios. Preservar os benefícios seria importante para garantir a competitividade do setor.

Não é bem assim.

As exportações continuam sem incidência de ICMS, refletindo a boa prática internacional de tributar no destino e não na origem (local de produção). A medida de São Paulo apenas reduz o benefício tributário no consumo doméstico, o que nada tem a ver com a competitividade do agronegócio no comércio exterior.

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Os exportadores têm dificuldades em receber o crédito tributário devido. Mas a solução não pode ser deixar de pagar tributos sobre o consumo local.

Outros alegam que a desoneração dos alimentos beneficiaria as pessoas de baixa renda. De novo, não é bem assim. A redução de tributos sobre a venda de bens por vezes é mais vantajosa para os produtores do que para os consumidores, como mostram Benzarti e Carloni (2019).

Além disso, é mais eficaz transferir renda diretamente para quem precisa do que desonerar o consumo. Em 2017, o Ministério da Fazenda analisou o cenário alternativo de tributar a cesta básica e utilizar os recursos arrecadados para ampliar o Bolsa Família. O resultado impressiona: a desigualdade de renda cairia 12 vezes mais do que com a desoneração atual.

Cabe mencionar que a medida do governo paulista não aumentou as alíquotas sobre a cesta básica. As reclamações contra a reforma, que reduz em poucos pontos percentuais os benefícios atuais, vêm de setores como o de fertilizantes. E também dos que vendem automóveis e produtos eletrônicos, para citar outros exemplos.

Não há boca-livre. As renúncias tributárias implicam maiores impostos sobre o restante da sociedade. Os estados compensam tributando mais outras atividades. Em São Paulo, a energia elétrica paga 25% de ICMS, e a conta para o consumidor chega a mais de 40% quando se somam todos os tributos.

Alguns empresários acham-se no direito de pagar menos impostos do que os demais. Só não aceitam que se chame isso de privilégio.

Marcos Lisboa

Presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005) e doutor em economia.

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