Mariana Pezzo
Na tradição de nomear períodos históricos –e pré-históricos– a partir das relações estabelecidas entre seres humanos e os materiais à sua volta, há quem chame o século XX de Idade do Plástico.
Hoje, a balança da visibilidade pende para os problemas causados pela presença crescente dos polímeros na vida humana, desde que começaram a substituir materiais menos abundantes, mais caros, pesados, e mais difíceis de serem adaptados a novas aplicações. No entanto, boa parte do desenvolvimento tecnológico nos últimos 100 anos tem a participação de plásticos, borrachas e fibras sintéticas, que transformaram a indústria automobilística, têxtil, aeroespacial, além de embalagens –como as justificadamente mal afamadas sacolas descartáveis e garrafas PET– e dispositivos médicos, dentre outras áreas.
Polímeros naturais são empregados há séculos, mas foi só nas primeiras décadas do século XX que surgiram as versões sintéticas. O pioneiro, o baquelite, foi patenteado em 1909. O marco de nascimento da ciência de polímeros é 1920, quando o alemão Hermann Staudinger publicou artigo que desvenda a formação das cadeias poliméricas. Staudinger recebeu o Prêmio Nobel de Química de 1953 pelo seu trabalho.
Polímero significa formado por muitas (poli) partes (meros). São macromoléculas formadas por longas cadeias de átomos e moléculas menores, os monômeros. Os diferentes tamanhos dessas cadeias, a sua estrutura espacial e as praticamente infinitas composições químicas levam também a inúmeras propriedades possíveis.
Este grande número de combinações possíveis, entre diferentes elementos, em cadeias de vários tamanhos e em sequências distintas de átomos, gera desafios para o uso da inteligência artificial na pesquisa de novos polímeros, no que é chamado de design racional de materiais. A inteligência artificial e, mais especificamente, a aprendizagem de máquina, têm se destacado como ferramentas poderosas na predição de propriedades e, assim, no desenvolvimento de novos materiais de modo mais eficaz, rápido e barato que o tradicional, em grande medida fundado no processo de tentativa e erro. Resultados importantes têm sido obtidos para os materiais mais antigos, como ligas metálicas e cerâmicas, mas a diversidade e complexidade dos polímeros, associadas à relativa juventude do campo, criam dificuldades adicionais.
Uma pesquisa realizada na Universidade de Chicago e publicada no final de 2020 no periódico Science Advances nos aproximou desta possibilidade de usar algoritmos para saber qual combinação de monômeros leva ao polímero com as propriedades desejadas para uma aplicação específica –como, por exemplo, leveza e resistência para novos veículos aeroespaciais– e, também, a materiais com características que reduzam seu impacto sobre o ambiente, como a biodegradabilidade.
O uso da inteligência artificial na área de materiais parte de grandes bancos de dados para buscar vínculos entre composição, estrutura e outros atributos e as propriedades apresentadas por materiais diversos. Na abordagem tradicional, materiais são sintetizados e, depois, analisados para caracterização de suas propriedades e avaliação de sua adequação ao uso pretendido. Com a inteligência artificial, a expectativa é que seja possível informar as propriedades desejadas e receber, em resposta, uma espécie de receita para os materiais mais promissores.
No entanto, escassez de dados empíricos e a qualidade desses dados comprometem muito este desenvolvimento. Uma outra questão, no caso dos polímeros, era o número de registros necessários para treinar uma rede neural (a ferramenta empregada neste caso) com moléculas conhecidas até que ela pudesse predizer propriedades de novos materiais.
O grupo da Universidade de Chicago combinou, à inteligência artificial, modelagem e simulação, para treinar uma rede neural a partir de apenas 2 mil polímeros hipotéticos, construídos computacionalmente para testar a ferramenta. Antes, imaginava-se que poderiam ser necessárias até milhões de cadeias poliméricas para obter este resultado.
A rede treinada foi capaz de prever com precisão as propriedades associadas a diferentes cadeias poliméricas, mostrando, sobretudo, que este é um caminho possível e muito promissor para conjuntos de dados sobre polímeros obtidos empiricamente. Com isso, a expectativa é que a partir de agora vejamos avanços no seu uso para a obtenção dos plásticos e outros materiais poliméricos indispensáveis ao enfrentamento de grandes desafios como, por exemplo, a transição energética, dentre vários outros.
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